quinta-feira, 8 de outubro de 2015

D. António Marcelino e a comunicação social regional

Um homem inquieto e determinado,  
participativo e voluntarioso



«Convicto da importância dos meios de comunicação social na ação pastoral, propus-me entrar no "Correio do Vouga" e estabelecer com os leitores um encontro semanal. O jornal é um púlpito privilegiado. O bispo não pode esquecer nem dispensar esta tribuna. Do interesse concreto deste encontro, dirão os leitores.»

Com estas palavras, iniciou D. António Marcelino a sua colaboração no semanário diocesano em 13 de março de 1981, na qualidade de Bispo Coadjutor de D. Manuel de Almeida Trindade. Entrou na Diocese de Aveiro em 1 de fevereiro do mesmo ano, depois de ter sido Bispo Auxiliar do Patriarcado de Lisboa. Com a resignação de D. Manuel, passa a Bispo Residencial em 20 de janeiro de 1988. Agora, como Bispo Emérito, vai continuar entre nós, porque se sente aveirense de pleno direito, identificando-se com as alegrias e tristezas, sonhos e projetos da vida destas gentes do mar, ria e serra.
Um quarto de século depois da sua chegada à cidade dos canais, o observador atento não pode deixar de registar que foi altamente positiva aquela decisão do então Bispo Coadjutor. Desde essa altura, os seus escritos foram esperados semana a semana com curiosidade e com interesse. Com curiosidade, para se saber que temas iriam ser abordados; com interesse, por se pressentir que em todos haveria algo a aprender ou a refletir, sobre o quotidiano do povo e das comunidades.


D. António assumiu esse desafio consciente da importância dos media na nova evangelização e, sobretudo, da urgência de se avançar para a praça pública, na defesa dos direitos das pessoas, em especial das que mais precisavam de ter voz e vez na sociedade, tida, tal como hoje, como entidade abstrata e sem alma, onde proliferam marginalizações e injustiças de toda a ordem, ao lado de muitas solidariedades e de bastante caridade à espera de serem dinamizadas. Mas ainda o fez para que os diocesanos de Aveiro começassem a perceber o seu pensar, a sentir as suas opções e a compreender o seu dinamismo, numa região de contrastes. Daí que, também desde o início da sua missão entre nós, valorizasse os contactos com os mais diversos meios de comunicação social, em especial os de âmbito regional, impondo-se a si próprio uma disponibilidade muito grande para atender jornalistas, pouco habituados a encontrar bispos acessíveis e dispostos a prestar esclarecimentos sobre a Igreja, respondendo a questões pertinentes, com naturalidade e desenvoltura.

Os primeiros tempos foram, como é fácil de compreender, de procura e descoberta da realidade da comunidade diocesana. Era preciso conhecer as inquietações e os problemas, mas também as aspirações das gentes aveirenses, enquadradas num espaço multifacetado, com mar, ria e serra a definirem maneiras de ser e de estar, que tinham de ser, e foram, um desafio para uma igreja comprometida com o bem-estar espiritual, e não só, dos homens e mulheres que dela fazem parte, ou dos que residem, simplesmente, na área da sua influência.

D. António Marcelino, pela sua intervenção na comunicação social regional, e não só, mostrou, à evidência, que a Igreja não pode, nem deve, circunscrever a sua ação aos templos e seus adros, antes tem de ir ao encontro das pessoas, onde quer que elas se encontrem, não apenas com as tradicionais catequeses e ofertas cultuais e sociais, mas também que promovam a cultura, que despertem a solidariedade, que animem a caridade e que definam projetos de vida com horizontes amplos e inclusivos para todos. Ora, a intervenção de D. António nos media teve o mérito de alertar cristãos e demais homens e mulheres de boa vontade para novas facetas da Igreja, uma Igreja mais aberta e mais interventiva, mais dinâmica e mais consciente de que a evangelização tem de sair do interior dos templos, saltar para as praças públicas e chegar às pessoas, crentes e não crentes, ajudando-as na caminhada e iluminando-as com projetos de bem, de verdade, de justiça, de paz e de amor.

Nos seus escritos, publicados no "Correio do Vouga" e depois transcritos por outros órgãos de comunicação social, da área diocesana e para além dela, o Bispo de Aveiro ensinou como se faz a leitura cristã dos acontecimentos, como se olha o mundo pela positiva, como se enfrentam os erros ou as teorias políticas e sociais que empobrecem as pessoas e derrubam as famílias, agindo como profeta que denuncia o que está mal, ao mesmo tempo que anuncia a Boa Nova de Jesus Cristo, que abre as portas ao homem novo, gerando comunidades novas.

Recorrendo sobretudo á minha memória, enriquecida pelo contacto de alguma forma privilegiado que mantive com o Bispo de Aveiro, por força dos cargos que desempenhei na comunicação social da diocese, posso dizer que D. António foi um homem de comunicação, com capacidade para implementar relações, valorizando a proximidade e o diálogo. Foi um homem sensível aos mais sofredores, aberto e de coração lavado, corajoso e sem complexos na defesa dos valores em que acredita, enquanto cristão connosco e bispo para nós. Foi um homem de Deus inquieto e determinado, participativo e voluntarioso, não perdendo nunca a oportunidade de conduzir quantos o escutavam e liam ao mundo espiritual, base de uma sociedade mais fraterna, refletindo constantemente os ensinamentos bíblicos e a doutrina da Igreja para o nosso tempo.

Quando chegou a Aveiro, ainda como Bispo Coadjutor, lucrou, certamente, com as vivências em comum com D. Manuel de Almeida Trindade, de quem aprendeu serenidade na apreciação dos problemas e compreensão no relacionamento com as pessoas, sem, contudo, se sentir diminuído no seu temperamento apaixonado e de visão para amplos horizontes,. E cedo aprendeu, como homem da Beira que tem o coração na boca, que as terras de Aveiro, de areias movediças, são ricas em mentalidades diversificadas que o obrigaram a agir com ponderação, sem nunca trair a sua missão de pastor, com muitos projetos para o Povo de Deus que lhe foi confiado.

Quem lê ou relê quanto escreveu sabe que D, António sempre usou de liberdade plena ao abordar e ao refletir os problemas da atualidade, eclesiais ou outros, fazendo jus a uma caraterística do seu caráter, que é a frontalidade. E fê-lo, sem ficar preocupado com o que os leitores pudessem pensar ou deixassem de pensar, porque agia em consonância com a sua consciência, que o obrigava a indicar caminhos para o presente e para o futuro das pessoas, da sociedade e da Igreja Católica.

Durante os 26 anos que esteve na Diocese de Aveiro, D. António nunca foi um bispo de gabinete. Em terra liberal, onde os extremos, políticos ou outros, não têm aceitação, soube orientar uma pastoral que contribuísse para a elevação das pessoas, crentes ou não, cultivando o diálogo próximo com todas, onde quer que as encontrasse: na rua, nos cafés, nos estabelecimentos comerciais onde compra o que necessita, nos eventos culturais ou sociais, nas instituições que visita, nos adros das igrejas.

Assume-se como pessoa normal capaz de falar e de sorrir tanto com os humildes como com os poderosos, sempre atento aos feridos da vida, reclamando para eles justiça, amor e compreensão, numa luta constante em todas as frentes, mormente através dos meios de comunicação social. E de tal modo se sente comprometido com todos para quem falou e escreveu, com todos com quem meditou e ensinou a rezar, que sente ser sua obrigação continuar entre nós, beneficiando destes ares tão propícios à continuidade da sua intervenção, de forma diferente mas ainda muito útil. Por aqui, conforma já anunciou à comunicação social e aos seus mais diretos colaboradores, vai continuar a rezar, a meditar, a escrever e a ler, recebendo pessoas que procuram ajuda, sem nunca descurar a busca de novos conhecimentos, que não deixará de pôr em comum, por todas as formas possíveis, se para tanto for solicitado a pronunciar-se sobre eles.

Sabe que a Igreja tem de estar permanentemente ao serviço da comunidade humana, nas alegrias e nas preocupações de todas as gentes, porque é um apaixonado pela Igreja e pelo mundo. E quem conhecer os seus passos entre nós sabe que é mesmo assim. Dos seus escritos, semanalmente publicados no jornal diocesano, das entrevistas que deu a jornais e rádios e das conferências de imprensa em que participou, podemos captar o seu dinamismo e o seu sentido de oportunidade, no cuidado que pôs na construção, com D. Manuel de Almeida Trindade, da Casa Diocesana de Albergaria-a-Velha para múltiplas ações de formação; e do Carmelo de Cristo Redentor, como grito da transcendência no meio de nós. Depois, já como Bispo Residencial, a sua ação faz-se sentir no Congresso dos Leigos para despertar para a missão; no II Sínodo Diocesano para levar a Igreja de Aveiro a descobrir novos caminhos; no CUFC (Centro Universitário Fé e Cultura) para oferecer respostas às necessidades espirituais e de integração social e eclesial dos jovens universitários. Mais ainda: Na dinamização da Cáritas para responder aos mais carenciados; no ISCRA (Instituto Superior de Ciências Religiosas) para implementar a formação permanente do clero e dos cristãos em gera; no restauro do Seminário para o abrir a diversas atividades, em paralelo com o apoio aos que buscam o discernimento vocacional ou se preparam para o ministério sacerdotal.

D. António Baltasar Marcelino foi, realmente, um bispo incansável, que fala como vive, sempre a correr, indiciando a pressa de chegar mais longe e a mais pessoas, na ânsia de acordar as comunidades eclesiais e humanas para os dias de hoje, cada vez mais exigentes.

Do muito que publicou, sobretudo no "Correio do Vouga", todos podemos ainda beneficiar, lendo os três [presentemente quatro] volumes de “A vida também se lê”. No primeiro volume, publicado em 2001, D. António Marcelino diz aos seus leitores, em dedicatória que é um retrato do que o moveu: «Dedico este livro, feito de muitos retalhos que o tempo não deixou envelhecer, a todos quantos ao longo dos anos, me deram gosto pela vida, pela leitura, pela vontade de servir, de aprender, de saber e de comunicar. Dedico-o, também, a todos os que perpassam nas suas páginas e deram vida ao que escrevi. Aos que encontrei no meu caminho e estimularam a minha disponibilidade para ajudar outros, que também comigo se foram cruzando, a terem um sentido na vida. Dedico-o, por fim, a todos os que escrevem nos jornais, preocupados em que haja no mundo mais luz e, nos corações, mais amor e mais esperança.»

Fernando Martins.

In “Praxis”, 
do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro, 
N.º 5/6,  2006, Ano 3

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