A festa em honra de Nossa Senhora dos Navegantes, no Forte da Barra, Gafanha da Nazaré, continua a ter apreciadores e devotos. A Senhora dos Navegantes, como tenho sentido entre o povo desta terra e arredores, sobretudo os ligados direta ou indiretamente ao mar e à ria, fixou residência no coração de muita gente. Não admira, portanto, que muitos gostem de participar nos festejos, em especial na procissão pela Ria de Aveiro, com passagem por S. Jacinto. Também a eucaristia, o festival de folclore, a música e o convívio são, sem dúvida, momentos altos das homenagens do povo à protetora dos mareantes e suas famílias.
Aqui deixo, como subsídio para a história da festa em honra da Senhora dos Navegantes, uns breves apontamentos, não só para avivar memórias, mas ainda para despertar o interesse pelo estudo do tema.
1 – Devoções Marianas
É conhecida, de há muito, a devoção que as gentes das Gafanhas têm por Nossa Senhora, à semelhança do que acontece um pouco por todo o País. A figura da Mãe, tanto no plano natural como divino, levou os crentes a aceitarem a Virgem Maria como símbolo da ternura, da disponibilidade, da proteção e do amor. Nessa linha, Maria nunca deixou de inspirar devoção a quem olha para Ela, sobretudo em momentos de aflição ou dificuldades. A Mãe de Deus, e nossa Mãe também, está permanentemente aberta ao povo sofredor. Nossa Senhora da Nazaré, da Encarnação, do Carmo, dos Aflitos, da Boa Hora, da Boa Viagem, da Saúde, dos Campos e, ainda, dos Navegantes. A mesma Nossa Senhora para cada situação.
Não é de estranhar, pois, que a Senhora dos Navegantes tenha surgido em espaço e tempo de frágeis técnicas de marear, com perigos constantes, tanto à boca da barra como no mar alto. Embora não se saiba de onde partiu a ideia de venerar no Forte da Barra a Senhora dos Navegantes, é de presumir que a proposta, com toda a naturalidade, tenha nascido no coração de quem vive sentindo as riquezas do oceano, mas também a sua bravura.
Não é de estranhar, pois, que a Senhora dos Navegantes tenha surgido em espaço e tempo de frágeis técnicas de marear, com perigos constantes, tanto à boca da barra como no mar alto. Embora não se saiba de onde partiu a ideia de venerar no Forte da Barra a Senhora dos Navegantes, é de presumir que a proposta, com toda a naturalidade, tenha nascido no coração de quem vive sentindo as riquezas do oceano, mas também a sua bravura.
2 – Capela de Nossa Senhora dos Navegantes
A capelinha de Nossa Senhora dos Navegantes é, sem dúvida, o mais antigo templo católico das paróquias da península da Gafanha. Sobre ela, diz o Padre João Vieira Rezende, na sua Monografia da Gafanha: «No Forte, freguesia da Gafanha da Nazaré, começou a ser construída em 3 de Dezembro de 1863 a capela de Nossa Senhora dos Navegantes, sob a direção do exímio engenheiro Silvério Pereira da Silva, a expensas dos Pilotos da Barra, sendo então piloto-mor um tal senhor Sousa. Custou 400$000 réis. Na parede está fixada uma lápide que diz: “Património do Estado”.
Há de interessante e invulgar nesta capela as suas paredes ameadas e a ombreira da porta principal, de pedra de Ançã, lavrada em espiral com arco em ogiva. Celebra-se a sua festa na última segunda-feira de Setembro com enorme concorrência de forasteiros das Gafanhas, de Ílhavo, Aveiro e Bairrada. Nesse dia Aveiro é um deserto por se terem deslocado para ali muitos dos seus habitantes.
A procissão ao sair do templo segue por sobre o molhe da Barra e regressa pela estrada sul que vem do farol. A festa é promovida pela Junta Autónoma da Barra.» Tanto quanto se sabe, o templo mantém com rigor a traça original, apesar das obras de restauro e conservação por que tem passado. Pequenina, a capela ali está inserida, e bem, no complexo portuário que entretanto foi nascendo e se desenvolveu, dando, presentemente, sinais de que vai crescer ainda mais.
A Senhora dos Navegantes, que os nossos pescadores e mareantes tanto veneraram nos tempos dos nossos avós, não deixará, contudo, com a sua ternura de Mãe, de velar por quantos sulcam as águas do mar, não já na Faina Maior, que o bacalhau que comemos já é mais importado do que pescado pelos portugueses, mas sobretudo nos transportes marítimos e na pesca costeira.
Do texto do Padre Rezende, registamos, como ponto de partida para uma análise mais profunda, o pormenor, significativo, da construção da capela ter sido iniciativa dos Pilotos da Barra e a expensas suas, não se sabendo se houve, ou não, qualquer pedido ou sugestão das populações, entidades eclesiásticas, políticas ou autárquicas.
Seria curioso saber se o piloto-mor, o tal senhor Sousa, era pessoa da nossa região e ligada à Igreja. Por outro lado, seria bom descobrir-se como apareceu aqui a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes, como se escolheu a imagem e quem deu a ideia para a expressão do rosto. Teria sido tudo trabalho do piloto-mor?
O facto de as paredes do templo serem ameadas prende-se, compreensivelmente, à existência do Forte Novo ou Castelo da Gafanha, numa certa homenagem à defesa da zona das investidas por via marítima dos inimigos da Pátria.
Há de interessante e invulgar nesta capela as suas paredes ameadas e a ombreira da porta principal, de pedra de Ançã, lavrada em espiral com arco em ogiva. Celebra-se a sua festa na última segunda-feira de Setembro com enorme concorrência de forasteiros das Gafanhas, de Ílhavo, Aveiro e Bairrada. Nesse dia Aveiro é um deserto por se terem deslocado para ali muitos dos seus habitantes.
A procissão ao sair do templo segue por sobre o molhe da Barra e regressa pela estrada sul que vem do farol. A festa é promovida pela Junta Autónoma da Barra.» Tanto quanto se sabe, o templo mantém com rigor a traça original, apesar das obras de restauro e conservação por que tem passado. Pequenina, a capela ali está inserida, e bem, no complexo portuário que entretanto foi nascendo e se desenvolveu, dando, presentemente, sinais de que vai crescer ainda mais.
A Senhora dos Navegantes, que os nossos pescadores e mareantes tanto veneraram nos tempos dos nossos avós, não deixará, contudo, com a sua ternura de Mãe, de velar por quantos sulcam as águas do mar, não já na Faina Maior, que o bacalhau que comemos já é mais importado do que pescado pelos portugueses, mas sobretudo nos transportes marítimos e na pesca costeira.
Do texto do Padre Rezende, registamos, como ponto de partida para uma análise mais profunda, o pormenor, significativo, da construção da capela ter sido iniciativa dos Pilotos da Barra e a expensas suas, não se sabendo se houve, ou não, qualquer pedido ou sugestão das populações, entidades eclesiásticas, políticas ou autárquicas.
Seria curioso saber se o piloto-mor, o tal senhor Sousa, era pessoa da nossa região e ligada à Igreja. Por outro lado, seria bom descobrir-se como apareceu aqui a devoção a Nossa Senhora dos Navegantes, como se escolheu a imagem e quem deu a ideia para a expressão do rosto. Teria sido tudo trabalho do piloto-mor?
O facto de as paredes do templo serem ameadas prende-se, compreensivelmente, à existência do Forte Novo ou Castelo da Gafanha, numa certa homenagem à defesa da zona das investidas por via marítima dos inimigos da Pátria.
3 – A festa da Senhora dos Navegantes
Tanto quanto nos diz a memória, a Festa da Senhora dos Navegantes, da nossa meninice, tinha a marcá-la, como pormenor mais típico, a procissão até ao mar, para além do que era habitual em festas com um misto de religioso e profano. Acontecia na última segunda-feira de Setembro, pois no domingo anterior havia a festa da Senhora da Saúde, na Costa Nova.
A festa do Forte atraía mais os povos de Aveiro e Gafanha da Nazaré e a da Senhora da Saúde era mais ao gosto das pessoas de Ílhavo e Gafanha da Encarnação. A uma e a outra associavam-se os veraneantes a banhos nas praias da Barra e Costa Nova, respetivamente.
No dia da festa, de manhã, tinha lugar uma procissão da igreja matriz da Gafanha da Nazaré para o Forte, sendo transportada em andor a imagem antiga de Nossa Senhora da Nazaré, com os membros da Irmandade a prestarem-Lhe as devidas honras, com as suas opas brancas, murças azuis e bastão (pau a imitar uma vela de cera).
Anos depois, chegaram a levar o andor com a imagem numa carrinha de caixa aberta, numa clara violação das tradições. A procissão até ao mar começava obviamente na capela e seguia pelo molhe que dá acesso à Meia-Laranja. Presidia o prior da Gafanha da Nazaré, incorporavam-se as irmandades e os “anjinhos”, e o povo acompanhava atrás. Não faltava a música, os foguetes ouviam-se ao longe e o colorido das opas e murças emprestava dignidade ao acto.
Na Meia-Laranja havia a bênção do mar e de quantos dele viviam ou nas praias apanhavam banhos de sol, voltando a procissão agora pela rua que ligava a Barra ao Forte, atravessando pela segunda vez a ponte de madeira, que só os mais velhos podem recordar. Na Meia-Laranja, os veraneantes associavam-se com devoção à bênção do mar e dos fiéis, recordando, talvez, os que foram tragados pelas águas revoltas do mar embravecido.
Os povos ribeirinhos sempre tiveram muito respeito pelo mar, ou não fosse ele o amigo que dá sustento ou o inimigo que destrói vidas indefesas. Por isso, a adesão das pessoas da beira-mar aos festejos em honra de Nossa Senhora dos Navegantes era grande. A festa teve, durante muitos anos, como organizadores, a Administração e os trabalhadores da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, depois Junta Autónoma do Porto de Aveiro, antecessoras, de certo modo, da atual APA (Administração do Porto de Aveiro).
Alguns trabalhadores, uns domingos antes dos festejos, percorriam as Gafanhas, Aveiro e Ílhavo, de saco ao ombro e de saca na mão, recolhendo donativos para as muitas despesas.
A festa do Forte atraía mais os povos de Aveiro e Gafanha da Nazaré e a da Senhora da Saúde era mais ao gosto das pessoas de Ílhavo e Gafanha da Encarnação. A uma e a outra associavam-se os veraneantes a banhos nas praias da Barra e Costa Nova, respetivamente.
No dia da festa, de manhã, tinha lugar uma procissão da igreja matriz da Gafanha da Nazaré para o Forte, sendo transportada em andor a imagem antiga de Nossa Senhora da Nazaré, com os membros da Irmandade a prestarem-Lhe as devidas honras, com as suas opas brancas, murças azuis e bastão (pau a imitar uma vela de cera).
Anos depois, chegaram a levar o andor com a imagem numa carrinha de caixa aberta, numa clara violação das tradições. A procissão até ao mar começava obviamente na capela e seguia pelo molhe que dá acesso à Meia-Laranja. Presidia o prior da Gafanha da Nazaré, incorporavam-se as irmandades e os “anjinhos”, e o povo acompanhava atrás. Não faltava a música, os foguetes ouviam-se ao longe e o colorido das opas e murças emprestava dignidade ao acto.
Na Meia-Laranja havia a bênção do mar e de quantos dele viviam ou nas praias apanhavam banhos de sol, voltando a procissão agora pela rua que ligava a Barra ao Forte, atravessando pela segunda vez a ponte de madeira, que só os mais velhos podem recordar. Na Meia-Laranja, os veraneantes associavam-se com devoção à bênção do mar e dos fiéis, recordando, talvez, os que foram tragados pelas águas revoltas do mar embravecido.
Os povos ribeirinhos sempre tiveram muito respeito pelo mar, ou não fosse ele o amigo que dá sustento ou o inimigo que destrói vidas indefesas. Por isso, a adesão das pessoas da beira-mar aos festejos em honra de Nossa Senhora dos Navegantes era grande. A festa teve, durante muitos anos, como organizadores, a Administração e os trabalhadores da Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, depois Junta Autónoma do Porto de Aveiro, antecessoras, de certo modo, da atual APA (Administração do Porto de Aveiro).
Alguns trabalhadores, uns domingos antes dos festejos, percorriam as Gafanhas, Aveiro e Ílhavo, de saco ao ombro e de saca na mão, recolhendo donativos para as muitas despesas.
4 – A procissão pela Ria
A procissão pela Ria de Aveiro foi uma criação do Padre Miguel Lencastre, pároco da Gafanha da Nazaré entre 1973 e 1982. Antes de pároco foi coadjutor do Padre Domingos Rebelo, cerca de dois anos. Desde que chegou à Gafanha, nunca deixou de se mostrar um enamorado pela Ria, como diversas vezes nos sublinhou. Quando se sentia cansado das tarefas paroquiais ou necessitasse de meditar sobre novos desafios, gostava de refletir olhando a laguna, esperando dela inspiração motivadora. Por isso, logo se relacionou com homens do mar, assumindo as dificuldades e os êxitos de todos como seus.
Numa viagem ao Brasil, em tempo sabático, apreciou, em Porto Alegre, uma procissão marítima, em honra da Senhora dos Navegantes, padroeira da cidade, que acontece em 2 de Fevereiro. Ao contemplar tão belo espetáculo e tanta devoção, os seus pensamentos voaram até ao Forte da Barra com sua Senhora dos Navegantes, lembrou-nos há tempos.
O Padre Miguel Lencastre andava, desde o 25 de Abril de 1974, com a preocupação de dinamizar o Stella Maris. Ocorreu-lhe, então, a ideia de ligar este clube, vocacionado para o apoio aos homens do mar e suas famílias, à Senhora dos Navegantes e à Ria, património natural que muito admirava e que precisava de ser valorizado. Uma grande festa seria projeto interessante.
A procissão, com todo o colorido e alegria, seria ouro sobre azul. E assim foi. A primeira procissão, segundo relata o jornal "Timoneiro", realizou-se no dia 19 de setembro de 1976, fazendo adivinhar que seria um sucesso no futuro.
Bem relacionado com oficiais da Base de São Jacinto, com o Capitão do Porto de Aveiro e com homens do mar, não lhe foi difícil concretizar o sonho que acalentava. Os barcos não faltaram, um helicóptero deu uma preciosa ajuda, os proprietários das embarcações aderiram, as irmandades aceitaram o desafio, o povo marcou presença com entusiasmo, a comunidade paroquial aplaudiu.
A festa, entretanto, esmoreceu e a procissão caiu no esquecimento. Mais tarde, depois da Expo’98, levado pelas experiências e vivências doutras terras ligadas ao mar, o Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, de colaboração com a paróquia e com o Stella Maris, retomou a tradição criada pelo Padre Miguel Lencastre, precisamente naquele ano.
Numa viagem ao Brasil, em tempo sabático, apreciou, em Porto Alegre, uma procissão marítima, em honra da Senhora dos Navegantes, padroeira da cidade, que acontece em 2 de Fevereiro. Ao contemplar tão belo espetáculo e tanta devoção, os seus pensamentos voaram até ao Forte da Barra com sua Senhora dos Navegantes, lembrou-nos há tempos.
O Padre Miguel Lencastre andava, desde o 25 de Abril de 1974, com a preocupação de dinamizar o Stella Maris. Ocorreu-lhe, então, a ideia de ligar este clube, vocacionado para o apoio aos homens do mar e suas famílias, à Senhora dos Navegantes e à Ria, património natural que muito admirava e que precisava de ser valorizado. Uma grande festa seria projeto interessante.
A procissão, com todo o colorido e alegria, seria ouro sobre azul. E assim foi. A primeira procissão, segundo relata o jornal "Timoneiro", realizou-se no dia 19 de setembro de 1976, fazendo adivinhar que seria um sucesso no futuro.
Bem relacionado com oficiais da Base de São Jacinto, com o Capitão do Porto de Aveiro e com homens do mar, não lhe foi difícil concretizar o sonho que acalentava. Os barcos não faltaram, um helicóptero deu uma preciosa ajuda, os proprietários das embarcações aderiram, as irmandades aceitaram o desafio, o povo marcou presença com entusiasmo, a comunidade paroquial aplaudiu.
A festa, entretanto, esmoreceu e a procissão caiu no esquecimento. Mais tarde, depois da Expo’98, levado pelas experiências e vivências doutras terras ligadas ao mar, o Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, de colaboração com a paróquia e com o Stella Maris, retomou a tradição criada pelo Padre Miguel Lencastre, precisamente naquele ano.
5 – Tradição a manter-se
Sou dos que pensam e defendem que as boas tradições devem ser mantidas e cultivadas, no sentido de que, tudo quanto faz parte da nossa identidade, precisa de estar na base do futuro. Futuro sem raízes na história pode estar condenado a ser absorvido por hábitos que nada nos dizem. Daí a importância de continuarmos a apostar nas festas religiosas, de tradição popular, embora imbuídas de projetos mais ambiciosos, isto é, que possam enriquecer as pessoas, levando-as a viver a fraternidade e o espírito do bem e do belo mais aberto aos outros.
Antigamente, a Festa da Senhora dos Navegantes unia as pessoas da região, de tal forma que Aveiro e Gafanhas suspendiam os trabalhos para se juntarem em torno da sua capelinha. Participavam na missa, incorporavam-se na procissão, pagavam as suas promessas, conviviam umas com as outras, saboreavam as merendas no Jardim Oudinot, ouviam música, cantavam e dançavam. E ainda consta que, na festa, muitos jovens se conheceram, muitos namoricos se iniciaram e alguns casamentos se combinaram. Tudo à sombra de Nossa Senhora dos Navegantes.
Antigamente, a Festa da Senhora dos Navegantes unia as pessoas da região, de tal forma que Aveiro e Gafanhas suspendiam os trabalhos para se juntarem em torno da sua capelinha. Participavam na missa, incorporavam-se na procissão, pagavam as suas promessas, conviviam umas com as outras, saboreavam as merendas no Jardim Oudinot, ouviam música, cantavam e dançavam. E ainda consta que, na festa, muitos jovens se conheceram, muitos namoricos se iniciaram e alguns casamentos se combinaram. Tudo à sombra de Nossa Senhora dos Navegantes.
Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, setembro de 2008
Fernando Martins