«[A Gafanha] Era um lençol desolador de areia branca, de
dúzias de quilómetros quadrados, que os braços da laguna debruavam a norte, a
leste e a poente, isolando do contacto da vida a solidão árida do deserto.
Lá dentro, longe das vistas, bailavam as dunas, ao capricho
dos ventos, a dança infindável da mobilidade selvagem dos elementos em
liberdade.
Brisas do mar e brisas da terra, ventos duráveis do norte em
dias de estabilidade barométrica, e rajadas violentas de sudoeste a remoinharem
no céu enfarruscado de noites tempestuosas, eram quem governava o perfil das
areias movediças cavadas em sulcos e erguidas em dunas de ladeiras socalcadas a
miudinho.
Era assim a Gafanha do tempo dos nossos bisavós: deserto
enorme de areia solta, a bailar, ao capricho dos ventos, o cancan selvagem de
uma liberdade sem limites.
Um dia, não longe ainda, um homem atravessou a fita
isoladora da Ria e pôs pé na areia indomável. Não sabe a gente se o arrastava a
coragem do aventureiro, se o desespero do foragido. De qualquer modo, ele fez
no areal a sua cabana, à beira da água, e principiou a luta de gigantes do
Gafanhão contra a areia.»
Joaquim Matias,
Arquivo do Distrito de Aveiro,
vol IX,1943, página 317
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