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Rosa Elvira: Nem à mesa se fala por causa da televisão

 Uma servidora da igreja de São Pedro há 25 anos

Rosa Elvira Teixeira
Rosa Elvira Teixeira, 87 anos, está ao serviço da Igreja de São Pedro da Cale da Vila, Gafanha da Nazaré, há 25 anos. Tem a responsabilidade de abrir a igreja antes das cerimónias, de cuidar com outras pessoas da limpeza e asseio do templo e de preparar tudo para a celebração da Eucaristia. E depois de os serviços litúrgicos terminarem não regressa a casa, mesmo ao lado da igreja, sem antes verificar se fica tudo em ordem. Recebeu este mandato, como faz questão de explicar, de seu pai, José Fernandes Casqueira, mais conhecido por José Parrachoche, primeiro sacristão da igreja de São Pedro. 
Garante, para que não haja dúvidas, que tudo faz de graça, pelo «carinho especial que tem pela capela [é assim que se refere à igreja] de São Pedro», mas ainda por querer cumprir o pedido de seu pai, na altura adoentado. Faleceu aos 95 anos, tendo sido o mais velho trabalhador durante a construção do novo templo, sendo pessoa muito respeitada na Gafanha da Nazaré.

Rosa Elvira, mais conhecida por Dona Rosa, que tem andado algo incomodada com a sua cabeça, diz que «estar parada é uma doença». Quando nos recebeu, tinha a seu lado o Fusco, um cão preto, meigo e silencioso, que a acompanha permanentemente. Até vai com ela à igreja, quando precisa de tratar de algum assunto, porque é uma companhia obediente e incapaz de incomodar seja quem for.
Dona Rosa fala com vivacidade e lucidez, não escondendo a sua paixão pelos animais. E adianta que férias para si é tratar dos seus animais: cão, gatos, ovelhas, coelhos, patos, gansos e codornizes. Também semeia e colhe o que o quintal lhe dá. Gosta muito de estar em casa, não a incomodando o estar só. «Se me apetecer rir, rio; se me apetecer chorar, choro; se me apetecer rezar, rezo; se me apetecer dormir, durmo» — explica
Voltando à capela, recorda que foi feita só pelo povo da Cale da Vila, com projeto do seu genro Manuel Serra, que foi presidente da Junta de Freguesia. O pai trabalhou muito na construção da igreja e depois assumiu, a pedido do nosso prior, a tarefa de sacristão. Antes fora consultado sobre o santo padroeiro a designar, sendo de sua iniciativa a opção por São Pedro. Porquê? — indagámos. — «Porque ele gostava muito de São Pedro que lhe haveria de abrir as portas do céu quando fosse para Deus, e por haver muitos pescadores na Gafanha da Nazaré» — garante.
A nossa entrevistada salienta que ser sacristã exige, realmente, muito amor e cuidado. «Cumprir horários, sou sempre a primeira a chegar para abrir as portas e a última a sair, depois de deixar tudo em ordem, arrumado e limpo.» 
Mas não se julgue que a sua dedicação se fica por aqui. Dona Rosa até já exerceu as mesmas funções a nível paroquial, durante dois anos, aquando da reconstrução da igreja matriz, levada a cabo pelo Padre José Fidalgo, com todos os serviços litúrgicos concentrados na igreja de São Pedro. E nunca aceitou qualquer pagamento, «porque não está na Igreja para ganhar dinheiro». O Padre Fidalgo quis pagar-lhe, mas ela não aceitou, dizendo-lhe que «fizesse do dinheiro [que ele lhe queria dar] o que entendesse». E ele entendeu, no final dessa missão, oferecer-lhe uma lembrança em prata (capa de um evangeliário e estante), para ficar na igreja com o seu nome gravado, para um dia os seus filhos e netos conhecerem o fruto do seu trabalho. 
Evocando esse tempo, que foi de muita canseira, porque todas as missas da igreja matriz se celebravam na Cale da Vila, não se mostra agastada, antes reforça a ideia de que tudo fez pelo amor que tem à Igreja e a Jesus Cristo. E afirma que, no final de cada missa, juntava o dinheiro das ofertas que guardava em saquinhos, com um papel onde estava escrito a que cerimónia dizia respeito. Logo que possível, entregava tudo no cartório, deslocando-se de bicicleta. E se não pudesse, era a filha Luzia que fazia a entrega. «Tudo direitinho», frisa. É no cartório que levanta o que é preciso: hóstias e vinho para a consagração, por exemplo. Das toalhas, corporal, manustérgio, pala e sanguíneo trata ela com esmero, lavando-os e passando-os a ferro.
Para além das Eucaristias, Dona Rosa sublinha que no mês de maio orienta a reza do terço, à noite, todos os dias, o que faz com grande devoção a Nossa Senhora. «No ano passado adoeci e foi uma senhora que me substituiu, rezando como entendia, porque o que importa é rezar, cada um com o seu estilo», adianta. Sabe contemplar os mistérios do terço e os passos da via-sacra, que na quaresma se reza no mundo cristão. Dona Rosa sabe de cor os 14 passos, citando-os de imediato. Quando tem um bocadinho livre, chega a rezar a via-sacra sozinha, em casa ou na capela.
A conversa que mantivemos, marcadamente animada, viva, pelas recordações que debita, permitiu-nos registar observações pertinentes. A nossa entrevistada acha que «a juventude anda muito afastada da Igreja», atribuindo esse facto «ao mau exemplo das famílias». «Se os pais não vão à Igreja, como é que os filhos podem ir?» — questiona. Mas ainda frisa que a Televisão, que tem muitas coisas boas, dá uma ajuda para esta situação. Refere que de bom é a companhia que faz aos que estão em solidão; e de mau, considera que impede a conversação familiar. «Nem à mesa se fala por causa da televisão.»
Recordou tempos idos em que as famílias rezavam «antes da ceia», com os filhos, um de cada vez, a alumiar o terço. 

Fernando Martins

Nota: Entrevista publicada no "Timoneiro"

Comentários

Ti Rosa Elvira como diria o Ti Sarabando parente e amiga uma pessoa de outrora mas que é uma referência para todos que a conhecem e têm admiração por ela e pelo seu modo de ser como pessoa ao serviço de todos.

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