“O Marnoto Gafanhão” é um registo de memórias do Ângelo Ribau Teixeira, falecido em 11 de agosto de 2012. Foram muitos, familiares e amigos, os que sentiram a sua falta física, que a sua presença espiritual permanece em todos.
Gostava imenso de ler e de escrever, como gostava da arte fotográfica e do convívio. Pessoalmente, posso testemunhar que bastante lhe devo. Durante a minha doença, que me obrigou na juventude a estar acamado, o Ângelo era visita quase diária. Lia junto ao meu leito e emprestava-me os livros da coleção do seu avô materno, Manuel Ribau Novo, e dos seus tios já então falecidos, o Padre Diamantino Ribau e o Dr. Josué Ribau. Sobre as leituras trocávamos impressões e entusiasmos.
Depois veio a sua paixão pela fotografia. Lia tudo o que surgia sobre o assunto, o que o levou a seguir as experiências de Niépce e Daguerre, construindo um laboratório e adquirindo os produtos químicos necessários para a impressão e não só.
No meu blogue Pela Positiva publiquei durante 15 semanas “O Marnoto Gafanhão”, para tornar conhecida a vida de um gafanhão que trabalhou na agricultura e na marinha de sal de que seu pai, Manuel Teixeira (mais conhecido por Manuel Elviro), era marnoto. Foi militar e cumpriu uma comissão em Angola, já casado, com um filho, o Boanerges, e outro a caminho, o Miguel. Mais tarde veio a Cláudia.
Estudou à noite e seguiu a carreira de contabilista, tendo atingido a categoria profissional de Técnico de Contas.
Apreciava no Ângelo, também, o gosto pelo estudo e pelo conhecimento, sendo um autodidata que lhe permitia abordar diversas questões à vontade. Tantas vezes me telefonou ou me enviou e-mails para apoiar, discordar ou sugerir que me pronunciasse sobre este ou aquele tema. Quando isto não acontecia, devia estar doente. E estava mesmo.
Penso que esta publicação na blogosfera poderá servir para os que escrevem e falam sobre marnotos e moços, sem nunca terem pegado numa rasoila, num ugalho ou numa canastra cheia de sal para o depositar no cocuruto do cone salino. Falta-lhes o saber de experiência feito. O Ângelo escreveu sobre o que viveu. Ainda bem.
Fernando Martins
O Marnoto Gafanhão
Ângelo Ribau Teixeira
1. Na Primavera/Verão
“Pois é meu menino... Reprovaste no exame de admissão ao
liceu, agora vais saber como elas te mordem. Vais aprender à tua custa, a comer
o pão que o diabo amassou!” — Diz-lhe o pai.
O Toino nem sabia o que dizer. Ele que na quarta classe fora
dos melhores alunos… Só ele e outro foram, no exame, aprovados com distinção, e
agora, passado um ano (esteve um ano sem fazer a admissão ao liceu a conselho
do professor, por ser muito novo), chumbou!
A ordem em casa era: chumbou, o estudo acabou…
Foi o que aconteceu ao Toino. Agora, com o pai marnoto, já
sabia o que o esperava: marinha. E nós, os filhos da casa sabíamos muito bem o
que era o trabalho nas marinhas de sal pois durante as férias grandes, sempre
éramos “convidados” a ir dar uma ajuda…
Os que ficavam em casa a ajudar a mãe, que agricultava as
suas terras, também tinham os seus trabalhos. Ainda agora o Toino se recorda
que não eram autorizados a ir nadar no esteiro pequeno, sem primeiro
desmantarem dois cabazes de espigas de milho…
Na marinha, o trabalho de rêr (juntar o sal dos meios para o
tabuleiro), de encher as canastras, de as transportar para o monte no malhadal
(que ficava num sítio alto, para que as águas da ria não o atingissem), sempre
a correr, era muito pesado até para um homem. Para nós, malta nova, era um
suplício! E as férias eram grandes…
Agora o trabalho do Toino seria o de moço do próprio pai,
andando sempre com ele em todas as suas labutas. De verão era a marinha, no
Outono a apanha do estrume que seria utilizado no Inverno para as camas do gado
e no Inverno era a apanha do moliço, que serviria para adubar as terras, que
depois seriam semeadas na primavera. O Toino não sabia fazer nada disto. Nunca
o tinha feito.
— Tu aprendes — diz-lhe o pai — que eu ensino-te. Aprendes e
depressa. Se não “é porrada e água à jarra”!
Eu sabia o significado daquela frase, o que não me deixava
nada descansado! O meu corpo é que iria pagar, como se tivesse sido eu o
culpado no chumbo na admissão ao liceu.
Havia ainda outra coisa terrível. Quando vínhamos da
marinha, tínhamos de pegar nos bois, pô-los ao carro e ir com eles buscar
carradas de milho às terras, para no dia seguinte ser desmantado. Não havia
sapatos para os pés, não havia qualquer proteção.
Os troços do milho eram duros e feriam-nos os pés,
especialmente entre os dedos. No dia seguinte, na marinha, era uma desgraça pôr
os pés naquela moira tão salgada. Só quem já sentiu tais dores, pode na verdade
avaliar esse sofrimento!
Tanto valia pôr “pachos” (pedaços de pano embebidos em
colódio) nessas feridas como não. Ia-se à farmácia, comprava-se o colódio e
antes de ir para a moira, enchiam-se os “poços” (buracos feitos na carne pelo
sal e a moira) com o colódio, que se colava na carne, por algum tempo.
As canelas, que enfolavam com o bater do sal, eram
protegidas com “encoiras” normalmente de borracha, e que iam do pé até ao
joelho, sendo amarradas com fio.
Tudo isto, quando se estavam a tirar resultados de muitos
trabalhos anteriores, tais como a preparação da marinha, a limpeza das lamas
acumuladas durante o Inverno, a preparação e arranjo das barachas (separações
em madeira nas partes de baixo da marinha e que nas partes de cima eram em lama
e alternadas com as canejas, também em lama e que era necessário anafar) depois
de abertas com um “cabeça de carneiro” para que quando viesse o calor elas não
rachassem - o que daria lugar à passagem de moira de uns meios para outros, que
era prejudicial, pois uns ficariam cheios de moira e outros vazios, e isso não
era conveniente. E porque não era conveniente, tinha de ser evitado…
2. A época da marinha começava por alturas da Páscoa
A época da marinha começava normalmente por alturas da
Páscoa.
Era pelo abrir da bomba de tubo que tudo começava. Ia-se
escoando a água da marinha, ao mesmo tempo que se ia apanhando algum moliço que
existisse, começando pelos algibés, a parte mais alta e que primeiro secava.
Depois reforçavam-se as barachas com a lama existente junto das mesmas, que era
anafada enquanto se encontrava ainda mole, para facilitar o serviço. Este era
repetido à medida que as diversas partes da marinha iam ficando secas:
— Algibés;
— Caldeiros;
— Talhos;
— Sobrecabeceiras;
— Cabeceiras;
— Marinha Nova (parte de cima);
— Marinha Nova (parte de baixo);
— Marinha Velha (parte de cima) e
— Marinha Velha (parte de baixo).
Todas as lamas eram arrastadas andaina a andaina (parte de
cima + parte de baixo) até serem depositadas no intervalo, onde eram deixadas a
endurecer. Endurecida, era baldeada à pá para a malhada, onde ficava a secar.
Seca, era novamente baldeada agora para o malhadal para aumentar a sua altura e
evitar que as marés vivas entrassem nas marinhas, servindo também para aumentar
a altura das eiras do sal e protegendo-o das águas das marés vivas.
A baldeação das lamas para o malhadal era normalmente feita
quando havia chuva que não permitisse o trabalho na marinha. Assim, quando nós
víamos tempo de chuva, logo pensávamos: “Hoje vou dormir um bocado na tarimba”.
Puro engano. Logo vinha a ordem para os moços: “Não está tempo de trabalhar na
marinha. Peguem nas pás e vão baldear mais um bocado de malhada até o tempo
estiar…”
Quando a lama era muita — o Inverno tinha sido muito pesado
— e não era possível arrastá-la até ao intervalo, por as almajarras (pás com
cerca de dois metros de largura, que tinham de ser manejadas pelo menos por
dois homens) se tornarem muito pesadas, esta era deixada a secar nas partes de
cima da marinha. Depois de seca era tirada, em canastras, para o malhadal.
Se os marnotos tinham posses, era falado a pessoal extra que
vinha ajudar a transportar essas lamas.
Depois de tiradas as lamas, a marinha estava “limpa” e
iniciava-se o tratamento das praias das partes de baixo, que eram secas até que
ficassem duras, tarefa que levava o seu tempo, dependendo do vento, da
temperatura e do sol que fizesse.
Com a praia com a dureza necessária (e isso dependia do
marnoto, um verdadeiro técnico), era pisada com um círcio (objeto feito de um
toro de pinheiro, com uns quarenta centímetros de diâmetro e cerca de um metro
de comprimento, pesado e que tinha de cada lado um eixo, onde se aplicavam as
“maueiras” que serviam para o puxar e empurrar) que ia e vinha do tabuleiro do
meio até ao tabuleiro do sal em movimento contínuo.
Era meio-dia a passear para baixo e para cima, até que todos
os meios estivessem circiados. Só as partes de baixo, onde iria ser colhido o
sal, levavam este tratamento, dado com a praia quente, para evitar que a lama
se colasse ao círcio. A praia tinha de ficar lisa e nivelada para que a moira
ficasse com a mesma altura em todos os lados do “meio”, o que aumentava a
produção de sal.
Para que cada meio ficasse devidamente nivelado, era
“arriada” (passada) a água que se encontrava nas partes de cima para as partes
de baixo. Essa água servia de nível.
Onde se encontrasse um cabeço era rapado com um rasoilo
(rasoila pequena com cerca de vinte centímetros) e essa lama era retirada para
o malhadal. Era um serviço moroso e de paciência, para que ficasse bem feito. E
sempre vigiado pelo marnoto…!
Findo este serviço a água, que tinha estado nas partes de
baixo e foi apurando o grau de salinidade era aproveitada, sendo ugalhada
(atirada com um ugalho) para a parte de cima, onde continuava a apurar.
Nas partes de baixo continuava o serviço de preparação do
terreno dos meios. Seriam essas superfícies onde se colheria o sal, pelo que
teriam de estar bem niveladas e limpas.
3. Um dia destes será a "Botadela"
Um dia destes, quando o tempo o permitir e a marinha estiver
pronta, será destinado o dia da “botadela”, normalmente um domingo. O marnoto
dará um almoço, que será feito e servido na própria marinha, para o qual
convidará os amigos. Para a comezaina e para ajudar na botadela que é um
trabalho muito duro!
O tempo continuou propício, os dias foram de calor desde o
nascer ao pôr-do-sol. Aproximava-se o dia da botadela. O anúncio foi feito:
— Será no próximo domingo…
A areia, miudinha e amarelada, muito limpa, como convinha,
já estava pronta havia uns dias. Tinha sido trazida do Bico do Muranzel, por
barco saleiro, e descarregada em três pontos do malhadal (os areeiros) de modo
a ficar o mais próximo dos meios, para onde depois seria transportada.
No sábado anterior à botadela, na casa do marnoto, era uma
azáfama com o preparar dos componentes para o almoço da botadela. Eram as
panelas, as batatas, as cebolas e o inevitável bacalhau - o almoço era sempre
batatas com bacalhau por ser, no dizer do marnoto, o mais fácil de confecionar.
Nunca eram convidadas mulheres ou raparigas para a botadela,
ainda hoje estou para saber porquê! O serviço era muito pesado mas, pelo menos,
poderiam ser elas a confecionar a refeição…
Chegou o sábado à tardinha e apareceram-nos em casa os
convidados:
— Então amanhã a que
horas é?
— Amanhã vamos à missa da manhã, vocês passam pela minha
casa para ajudar a levar as panelas. A bateira está ao pé da seca do Egas. É lá
que a gente embarca. Quem não estiver a horas, fica em terra… - diz o marnoto.
E assim foi. Tudo como o combinado. O sol estava
esplendoroso, nem uma nuvem no céu como convinha num dia de botadela. O pessoal
embarcou, sentando-se na borda da bateira. Os moços pegaram nos remos preparando-os
para remar. Dois dos convidados mais mexidos quiseram ajudar a remar e
sentaram-se nos devidos lugares.
Foi retirado o cadeado que prendia a bateira ao moirão e com
um pequeno empurrão esta afastou-se de terra. Saímos do esteiro e entrámos na cale.
Era necessário cuidado, pois ao domingo toda a gente ia à missa da manhã (o
pessoal trabalha ao domingo) e a saída para as marinhas era à mesma hora para
todos. Eram centenas de embarcações que se iam espalhando por aquela ria.
— Eh, pá, olha! - Diz um dos convidados levantando-se e
apontando na direção norte para onde se dirigia o maior número de embarcações.
A bateira abanou violentamente.
— Senta-te! — Gritou o marnoto que ia ao leme — Ainda botas
a bateira ao fundo!
O espetáculo era, para quem não o conhecesse, de pasmar!
Dezenas e dezenas de bateiras saídas ao mesmo tempo do ancoradouro, tentando
adiantar-se umas às outras, em verdadeira competição.
Não admira que na altura o “Clube dos Galitos” de Aveiro
fosse durante uma série de anos Campeão Nacional de Remo, enquanto houve
marnotos (moços de marinha) para remar.
Com o pessoal todo sentado seguimos viagem, até que chegámos
à “Ilha do Robocho” (Ilha de Sama). Aí as bateiras dividiam-se: umas iam para a
“Cale do Oiro” onde o Ti Zé Rito amanhava uma marinha, outras seguiam em frente
para as “Leitoas”, marinha amanhada pelo Ti Manuel da Branca, outras ainda
seguiam para o Esteiro dos Frades, onde se situava a marinha que íamos “botar a
sal”.
Cruzámo-nos neste esteiro com o Firmino Piaca acompanhado
pelos seus dois filhos, cagaréus e dos melhores remadores dos “Galitos”, que se
dirigiam para a marinha que amanhava, mais a Norte.
O sol começava a aquecer. Os remadores já suavam. Chegámos
finalmente à Ilha do Robocho, virámos a estibordo, seguimos mais um pouco e
chegámos ao nosso destino a marinha conhecida por “Novazinha das Canas” ou pelo
seu nome oficial “Novazinha de Sama”.
Espetámos uma vara, amarrámos a bateira, cada um levou ao
ombro a sua carga e lá fomos pelos machos abaixo, deixando tudo junto ao
palheiro. Agora ia começar a botadela…
4. A Botadela
Cada um pega na sua canastra e toca de acartar a areia dos
areeiros para os meios. Os moços mais velhos iam dizendo qual a quantidade
necessária para cada meio ao mesmo tempo que, com uma pá grande (pá de arear)
iam espelhando a areia, que tinha de ficar com uma espessura tanto quanto
possível igual. Para que isso acontecesse usavam uma técnica especial: enchiam
a pá de areia e, enquanto a espalhavam, a pá era progressivamente voltada ao contrário,
de modo a que quando acabava a areia, a pá estava de pernas para o ar.
Findo este trabalho, o moço mais velho que era habilidoso a
cozinhar, foi tratar da bacalhoada, enquanto eram ultimados outros serviços.
O Ti “Marendeiro” preparando a bacalhoada.
Aproximava-se o meio-dia velho, hora de mais calor, altura
em que se deveria abrir o tabuleiro do meio, dando passagem à água das partes
de cima para as partes de baixo, onde iria formar-se o sal.
Era um trabalho altamente especializado que ficava a cargo
do marnoto. Era executado com a pá do tabuleiro (pá em forma de cunha) que
abria uma pequena passagem no portal existente no tabuleiro de meio. Dessa
passagem dependia que a marinha “pegasse” bem, isto é, começasse a fazer sal
logo no dia seguinte, ou não. Era uma greta pequena, para permitir a passagem
de uma pequena quantidade de água, que vagarosamente se ia espalhando pela
areia do meio.
Este serviço tinha de ser executado em todos os meios, um a
um. Era um trabalho moroso, numa marinha que tinha cerca de cerca de cento e
cinquenta meios.
Quando todas as passagens estivessem abertas, era dada uma
volta mais rápida pelos tabuleiros. “Abre mais um pouco este, que a parte de
baixo ainda tem pouca moira!”; mais além “Aperta um pouco a passagem com a pá e
vai apertando a lama com o pé, que o meio já tem quase a moira suficiente!”
Quando a água passava das partes de cima para as de baixo
(depois da botadela) era-lhe dado o nome de moira.
Agora, enquanto o tabuleiro se amanhava, o pessoal
aproveitava para almoçar.
A comida era despejada do panelão para uma travessa grande e
todo o pessoal comia dessa travessa. Cada um pegava no seu garfo, partia um
pedaço de broa e toca a comer, que a manhã tinha sido de muito trabalho e tinha
puxado pelo corpo…
No final da refeição, aquele que não estivesse satisfeito,
pegava num bocado do miolo da broa que tivesse sobrado e fazia migas no resto
do caldo da bacalhoada. Era saboroso. Mas, azar, não tínhamos trazido colheres!
Só uma colher de pau grande, que serviu para mexer a comida enquanto era
cozinhada e para a provar, para saber se estava bem temperada. “Não faz mal.
Come um de cada vez e anda à roda”, foi o alvitre. Assim fizemos e não constou
que alguém tenha adoecido!
Tinha acabado a botadela.
Agora havia que amanhar a marinha (pôr água nas zonas que
haviam ficado em seco), serviço que passaria a ter de ser feito todos os dias.
Foram fechados todos os portais dos tabuleiros do meio e abertos os furos com
um moiradoiro que permitiam a passagem da água das canejas para as partes de
cima.
A ligeira aragem que se fazia sentir e mexia a água que ia
entrando, era a indicação da quantidade de água necessária. Nestes casos a
prática é tudo!
Assim, foram "amanhados" (repostos os níveis de
água) nas sobre-cabeceiras, nos talhos e nos algibeses, ficando a marinha
amanhada para o dia seguinte. Nestes, não eram abertos furos, pois em cada um
havia uma pequena bomba que era aberta para a passagem das águas, levantando-se
as palmetas.
E assim se passou o dia da botadela. Eram cinco horas da
tarde, de um domingo qualquer, de um mês de Julho de um ano qualquer…
Toca a arrumar as alfaias no palheiro, o moço mais novo com
a jarra da água, agora vazia, ao ombro, e bota p´ra bateira de regresso a casa.
Içava-se a vela, que o norte era fresco, e aí vínhamos nós!
Chegados à seca do Egas, amarrava-se a bateira ao moirão com
o cadeado. Só agora estava terminado o dia. Salta para terra…
Estava terminado o domingo, dia de trabalho. E porque era
domingo, nesse dia não haveria trabalho na terra.
5. Sal de "pedra" fina
Agora, por cerca de três meses, será sempre, todos os dias,
uma repetição do que se fará a partir de depois de amanhã, terça-feira.
Hoje, segunda-feira, o tempo continua bom, com sol. A
marinha “pegará macia”, o que quer dizer que o primeiro sal a ser colhido, será
de “pedra” fina.
Logo que a moira aqueceu, o marnoto e o moço mais velho,
pessoas experientes, pegam nos galhos e vão “bulir” (mexer a moira),
misturando-a, para que toda aqueça ao mesmo tempo.
Quando o tempo se mantém sereno, sem vento, esta operação
tem de ser repetida, à tarde, agora não para misturar a moira mas para quebrar
as “peles” (uma camada finíssima de sal que se forma à superfície, quase como
farinha, e que serve para temperar as saladas) que, por falta de vento, se
acumularam à superfície. Autorizados pelo marnoto, os moços mais novos
aproveitavam esse sal que depois vendiam a quem lho encomendava.
Passados dois dias, após a botadela, chegou a altura de
começar a colher o resultado de tanto trabalho.
A marinha era dividida em três mãos (três partes, na
vertical), o que quer dizer que só passados quatro dias a primeira-mão voltaria
a ser rida.
Os meios eram quebrados (o sal era puxado com um galho dos
lados dos meios para o centro dos mesmos —
para os vieiros) e daí, era rido (arrastado com a rasoila para o
tabuleiro do sal onde ficava a escorrer). Quando todos os meios estavam ridos,
puxava-se todo o sal para cima do tabuleiro que, ficando fora do contacto com a
moira, escorria mais facilmente tornando-se mais leve, o que facilitava a dura
tarefa de o transportar para cima da eira.
A “Novazinha das Canas” ia finalmente “estrelar” (pôr o
primeiro sal em cima das eiras)… Os primeiros marnotos faziam-no com certa
vaidade, pois era sinal de que tinham trabalhado bem na preparação da marinha…
A redura (quantidade de sal colhido) neste dia era pequena.
Mesmo assim, lá foi a primeira canastra de sal para cima da eira!
— Estrelámos! — Diz o Ti Marendeiro.
Merendeiro, o moço mais velho, teve a honra de carregar com
a primeira canastra…
Enquanto púnhamos as canastras a secar, depois de lavadas no
esteiro, olhamos em volta.
— Só as “Cortes de Baixo e a de Cima”, que são mais
“valentes”, estrelaram antes de nós! —
Diz o Ti Marendeiro, mostrando satisfação.
Não tardariam oito dias que todas as marinhas estivessem “a
sal”, e então a vista da Ria seria maravilhosa, com todos aqueles montículos.
Um sonho, mas um sonho em que o Tónio nunca pensara colaborar como efetivo, só
nas férias… Enfim, a vida tinha-lhe reservado destas surpresas. E não seria a
única.
Começou a época do sal, a mais difícil e trabalhosa das
marinhas.
Era levantar cedo, pegar no cesto com o “tacho” - normalmente
um tacho com “caldo” uma sopa consistente para o pequeno-almoço, e um mais
pequeno com o “conduto”, que juntamente com um pedaço de broa serviria de
almoço - preparado pela mãe, que para tal se tinha de levantar cerca das cinco
horas da madrugada.
Chegados à casa do João Banca, era pegar na vela da bateira
que aí ficava todas as noites, na jarra da água que todos os dias era cheia -
era impossível esquecer a água no ambiente salgado onde se trabalhava. Um moço
com a vela ao ombro, outro com a jarra, e íamos para a bateira. Chegados, cada
um tomava o seu lugar. Dois, um a cada remo. O marnoto ao leme e os restantes
sentados no bordo da bateira, abriam os cestos e comiam a primeira refeição (a
mais consistente do dia).
— Vá, toca a comer depressa que os camaradas que vão ao remo
“tamem” têm de comer antes de chegarmos à marinha, que hoje lá não falta
trabalho!
Chegados, os cestos da comida eram pendurados em cruzetas
existentes no intervalo, onde corria sempre água, o que evitava que a comida
fosse atacada pelas formigas que abundavam nas marinhas de sal.
E começava a faina.
Ugalhos e rasoilas ao ombros e lá íamos nós para a “mão”
onde era para colher o sal. Eram cinquenta meios que teriam de ser colhidos
naquele dia. Cada um daria cerca de três canastras de sal.
O Tonio ia rendo e pensando: “Mais ou menos três canastras
por meio, vezes cinquenta meios, dá cento e cinquenta canastras, a dividir por
três (os moços que transportavam o sal para a eira), dá a cada um cinquenta
canastras… cinquenta vezes do tabuleiro até à eira… em média cinquenta metros
do tabuleiro à eira, metade carregado com cerca de sessenta quilos de sal, e no
retorno com a canastra vazia...”
— Anda-me com essas mãos rapaz, senão adormeces! — Grita lá de longe o marnoto.
Toca a andar era a solução…
Rido o sal, depois transporá-lo para a eira, levou o seu
tempo. Quando terminámos era já meio-dia velho. Toca a lavar as alfaias e as
canastras e pô-las a secar, foi o serviço seguinte, até que chegou a ordem do
marnoto:
— Toca a comer enquanto eu vou abrir o tabuleiro, mas
depressa, porque temos que ir limpar aquelas cabeceiras do meio.
Enquanto estivéssemos naquela malvada marinha havia sempre
serviço para fazer. E se não houvesse, parece que se inventava… Maldita vida, a
de quem trabalha nas marinhas de sal!
Pegámos nos cestos, comemos o resto do caldo que havia
sobrado da manhã, depois o conduto que estava destinado para o meio-dia —
normalmente peixe frito, com um naco de broa — e estávamos almoçados, depois de
pôr a boca na jarra a beber umas goladas de água valentes.
Estava terminada a manhã desse dia. Entretanto o marnoto,
que tinha acabado de “amanhar” o tabuleiro, pega num pedaço de broa, numa posta
de peixe frito, pendura o cesto na cruzeta do tabuleiro e vai debicando o
almoço enquanto ordena ao pessoal:
— Toca a reformar (renovar) as águas do resto da marinha…
O Toino já chateado com tanta ordem:
— Nem deixa uma pessoa endireitar as costas. É só toca, só
toca…” diz, dirigindo-se ao moço mais
velho ao Ti Manel. Este que sabia com quem lidava responde ao Toino:
— Se o marnoto te ouve levas uma pazada pelas costas, que é
para ouvires, cumprires as ordens e calado…
Reformada a marinha, os serviços foram nesse dia dados por
terminados, as alfaias foram arrumadas no palheiro, que foi fechado à chave e
esta escondida no malhadal, entre as ervas, ou no buraco de uma rata.
Antes de regressar, o marnoto corre a vista pelo horizonte,
tentando adivinhar o tempo que iria fazer no dia seguinte. O vento norte era
fraco. O céu estava azul. Depois correu a vista para nascente. A serra do
Muradal, a serra do Caramulo…
— Oh, diabo. Amanhã vamos ter nordeste...
— Como é que sabe? - Perguntou o Toino.
— Vês aquelas “pombinhas” acolá por cima da serra?” — E
indicou pequenas nuvens brancas que se mantinham sobre a serra — É sinal de
nordeste amanhã”
— ???
— Amanhã verás que eu tenho razão!
E partiram para a bateira de regresso a casa.
Novo dia, repetição do serviço do dia anterior. Rer,
acarretar o sal para o monte que ia crescendo no malhadal, amanhar a marinha…
Só que neste dia o sol já era mais quente que no anterior.
Na verdade o marnoto sabia o que dizia. Veio nordeste, vento quente, que
aumentou a produção de sal - cada meio produziu mais cerca de uma canastra de
sal. Estávamos no mês de Junho, os dias eram mais compridos, havia mais tempo
de sol, a produção subia e o trabalho aumentava. Felizmente que ainda não havia
feridas nos pés. Quando elas chegassem, com a temperatura da moira, seria um
sacrifício enorme. Só quem já sentiu essas dores, pode avalia-las. É de rilhar
os dentes… Quando se anda muito tempo com os pés dentro da moira e eles estão
feridos os “poços” chegam a atingir o osso…
Mais um dia, quase igual a tantos outros. Só que este mais
trabalhoso. E se o tempo continuar com nordeste, a produção de sal aumentará e
o trabalho também, já que há aumento de produção, mas não aumento de pessoal
para acompanhar o da produção!
Não tardarão muitos dias que de tanto caminhar por machos e
pranchas, as solas dos pés comecem a ficar desgastadas e a aparecer
“pintassilgos” - pequenas manchas vermelhas provocadas pelo desgaste das solas.
Então quando se anda a acarretar o sal e uma pedra maior é pisada pela sola do
pé naquele local, atinge a “carne viva”… O Toino, ainda rapaz novo mas que
tinha de alombar com a sua canastra, não conseguia evitar uma lágrima rebelde
que lhe corria pela cara!
Mais outro dia, este pior que os outros, na perspetiva dos
moços, melhor, do ponto de vista do marnoto. A produção aumentava com as
temperaturas e os montes de sal era vê-los crescer no malhadal. A “roda” do
monte (sítio mais alto onde chegava um homem com os braços esticados e onde ficava
assinalado o formato das canastras do sal que aí era depositado) estava cheia.
Era necessário agora transportar o sal para o cimo dos montes, para o curuto!
Eram colocadas duas pranchas de madeira, uma que ia da base da eira até ao
cavalete (uma espécie de dois triângulos ligados entre si por barras de
madeira) e a outra do cavalete ao cimo do monte.
Se a tarefa em princípio era dura, agora essa dureza
duplicava. As pranchas de madeira cheias de sal “comiam” as solas dos pés.
Enfim, era aquela a vida de quem trabalhava nas marinhas de sal e não havia
como fugir-lhe. Os trabalhos eram poucos naquela altura e era, para os homens,
a agricultura ou as marinhas de sal, e para as mulheres, as secas do bacalhau.
Havia ainda os estaleiros navais e as oficinas de serralharia e carpintarias,
mas estes eram para pessoal com outras especializações. Nas marinhas de sal, só
o marnoto era altamente especializado. O restante pessoal era força bruta…
Havia que trabalhar. Era a solução! O nordeste duraria ainda
mais uns oito dias segundo as previsões do marnoto, e a produção sempre a
aumentar!
Desanimados, ainda ouvimos o moço mais velho dizer, enquanto
comíamos ao meio-dia:
— O pior ainda está para vir…
— Porquê? — Perguntámos.
— Com a temperatura da moira provocada pelo nordeste, todas
as pedras de sal se vão transformar em “pregos”. A marinha vai ficar
“encaldada” e dará muito mais trabalho. O sal fica tão duro que parecem
autênticos pregos que se espetam nas solas dos pés, provocando dores horríveis!
Assim foi. A temperatura da moira aumentava, a produção
subia, e lá apareceram os “pregos” com todas as suas consequências…
Nesses dias vínhamos mais tarde da marinha, porque à
tardinha, todos os meios tinham de ser “bulidos” para quebrar todo aquele sal e
para que, no dia seguinte, fosse mais fácil “rer”, tentando evitar toda aquela
pregaria. O que nem sempre se conseguia…
Assim passámos quase uma semana. Mas como é que o marnoto
sabia que o nordeste iria durar uma semana?! Coisas que só a prática da vida
nos dá!
O tempo parece querer arrefecer. Ao fim da tarde, o vento do
norte, fresco, parecia querer vencer o do nordeste ainda muito quente… O Toino
perguntou ao pai se iríamos ter mudança de temperatura. Este olha desde a boca
da barra, passa o olhar por cima do campo de aviação de São Jacinto, por cima
da mata, até ao Muranzel. Aí para, aspira o ar com força, olha as serras, e
diz:
— Dentro de uns dois dias vamos ter norte fresco!
6. “Valha-nos Deus, que já não será sem tempo”
“Valha-nos Deus, que já não será sem tempo”, pensava eu, “ao
menos aquelas temperaturas tórridas, a que não faltava sequer a falta de vento
irão acabar. Oxalá o meu pai também acerte desta vez!”
Assim foi. Passados que foram cerca de dois dias, logo se
notou pela manhã a temperatura a refrescar. O dia já foi menos quente e pela
tarde, ao regressarmos a casa, chegados à “boca” do Esteiro dos Frades, foi
dada ordem de içar a vela, que puxada pela “ustaga” se fez chegar ao cimo do
mastro. Orientada pela escota de acordo com a direção do vento, lá ia a bateira
em direção ao seu ancoradouro, junto à seca do Egas. O marnoto, sentado no
“cagarete”, governava a bateira e ia orientando a vela, puxando ou largando a
escota, que era presa na borda de sotavento. Com vento fresco a viagem era
rápida e o esforço praticamente nulo. Era só içar a vela e arreá-la ao chegar
ao ancoradouro.
Com a falta de temperaturas muito elevadas a produção de sal
ia lentamente baixando. Mas, mesmo assim, trabalho nunca faltava. Os tabuleiros
onde o sal escorria, para depois ser transportado para o monte, os “machos” por
onde passávamos com as canastras cheias de sal, não eram mais lama dura. O sal
tinha-se entranhado na lama e aqueles locais eram autênticas máquinas de lixar
as solas dos pés. Só quem andou naquela vida pode fazer uma ideia correta dos
sacrifícios que o pessoal das marinhas passava.
Estávamos em Agosto, o primeiro mês de “Inverno” para as
marinhas, palavra de marnoto, dado que começavam os primeiros nevoeiros e a
produção de sal diminuía a olhos vistos!
— Hoje trouxe uns
sacos para levar sal para casa — Diz o marnoto — Quando chegar o Inverno tenho
de ter sal para salgar o porco, quando for a matadela. Logo não vimos para o
Egas. Vamos para a Cambeia, que tenho lá a minha mulher à espera com o carro
dos bois.
E assim foi. Terminados os trabalhos do dia, foram enchidos
os sacos e transportados em padiola para a bateira.
Depois de arrumadas as alfaias no palheiro, fechado este e
arrumadas as chaves, demos início ao regresso a casa. O vento era fraco, mas
mesmo assim içámos a vela, e lá viemos desta vez em direção ao Esteiro do
Oudinot, por onde chegaríamos à Cambeia. Mais adiante, no Jardim do Oudinot, as
árvores altas impediam o vento de chegar à vela, pelo que a solução era os
moços saltarem para terra e com uma corda (a cirga), puxarem eles a bateira
pelo Esteiro fora, que tinha cerca de dois quilómetros de comprimento, enquanto
iam conversando.
O marnoto, sentado no cagarete, ao leme, ia governando a
bateira, para que não fosse contra as estacas de cimento ou se desviasse
demasiado para o meio do esteiro.
Um moço, já com idade, pequeno de físico mas rijo de nervos,
pele tisnada pelo sol e também pelo vinho que diariamente ingeria, avistou um
grupo de turistas sentados debaixo de uma árvore, no jardim do Oudinot, a
merendarem, refastelados…
— Querem ver? — Pergunta o Gandarinho.
— ???
— Anda, puxa rápido, mais depressa… mais depressa senão o
peixe foge todo…
E nós, toca a puxar, cada vez mais rápido, feitos parvos,
sem saber o que ia naquela cabeça…
As senhoras do grupo de turistas levantaram-se e pediram
para nós lhe vendermos o peixe que estávamos a pescar, que era fresquinho, e
que elas ali mesmo o assariam para o seu pessoal. Mas o Gandarinho era só:
— Puxa, puxa…
O marnoto lá do seu cagarete, ainda intimou:
— Ó João, não é
preciso tanta pressa!
Mas qual quê! O Gandarinho era só:
— Puxa, puxa…
Mais adiante, quando já não podia ser ouvido pelos turistas,
o Gandarinho solta tamanha gargalhada, que o deixou da cor da pele de um
tomate…
— Vês? Com papas e bolos se enganam os tolos… Aqueles viram
uma bateira e logo pensaram que ia a pescar!
E isto, para ele, foi uma vitória… Só os “ricos” gozavam
férias! E aqueles ali refastelados eram, para o Gandarinho, ricos…
Entretanto fomos andando e chegámos ao nosso destino. Agora
era só passar por baixo de uma das “portas de água”, para poente, com cuidado,
que elas eram de pedra. Passámos! Lá estava o carro de bois à nossa espera.
Descarregámos o sal e o carro seguiu para casa. Passámos novamente por baixo
das portas de água, agora para nascente onde se encontrava o “moirão” a que
íamos amarrar a bateira. Lá chegados, passámos o cadeado à volta do moirão, e
já nos preparávamos para regressar a casa, quando aparece o Cabo de Mar
(autoridade marítima) com poderes para tal, a perguntar pela licença do moirão!
O meu pai foi à proa da bateira e mostrou-lhe a licença.
— Não — diz o Cabo de Mar —
Esta é a do moirão localizado junto do Egas. Este moirão precisa de
outra licença…
— Mau! — diz o meu pai zangado — A lei mudou?
— Mudou sim senhor — diz a autoridade — e você devia saber!
Para não ser multado tem de apresentar a licença dentro de oito dias no
“Posto”.
— Sim senhor. Assim farei!
— Cada moirão, cada licença, sim senhor - dizia o marnoto,
entre dentes - Mesmo sendo para a mesma embarcação… Só me faltava esta! - Ia
resmungando… - Faltar um dia à marinha por causa da porra de uma licença do
moirão!
E durante o resto da tarde, não falava noutra coisa…
À noite, à “ceia”, ele teve uma ideia!
— Oh Toino! Tu amanhã não vais à marinha. Pegas na bicicleta
e vais a Aveiro à Capitania tratar da licença do moirão, para a Cambeia. És
capaz disso?
— Sou sim senhor! —
Respondi eu, pensando no dia seguinte, em que não precisava de ir à marinha.
— Então ficamos
assim: a Capitania abre às nove horas, tu levas os documentos da bateira, que o
registo é preciso. Vais lá de manhã e terás de lá voltar à tarde que “eles”
levam tempo a passar a licença. Perguntas quanto ela custa e à tarde pedes dinheiro
à tua mãe e vais lá, pagas e levantas a licença!
Assim foi. Tratei de tudo como me foi ordenado e à tarde
regressei, com a licença no bolso. Nem as duas viagens a Aveiro de bicicleta me
custaram a fazer! Teria sido pior se tivesse ido à marinha naquele dia e
tivesse andado a “alombar” com a canastra à cabeça… Antes dos oito dias, a
licença do moirão da Cambeia foi apresentada no posto ao Cabo de Mar!
A safra ia adiantada. Qualquer dia terminaria! Começavam os
tempos a refrescar e a produção de sal ia diminuindo. O marnoto até já tinha
encomendado a “bajunça” para ir cobrindo os montes de sal maiores, era só ela
chegar… Os montes eram “achegados” (alisados). O marnoto subia para o curuto
por uma escada e de lá, com uma pá de cabo muito comprido e um rasoilo, ia
puxando o sal para cima, enquanto os moços, da eira e de pá em punho, o iam
baldeando, da saia para cima, de modo a que o cone de sal ficasse liso.
Qualquer quebra ou cova na linha do monte, mesmo com o sal coberto, provocaria
infiltrações da chuva, dando lugar a furos negros que só seriam notados quando
o sal dali fosse retirado.
Só depois todo o monte era batido com pás, ficando todo
liso, e com a inclinação necessária e suficiente para que a bajunça não
escorregasse por ele abaixo! Chegada a bajunça, eram então cobertos com ela, em
camadas sucessivas, seguras com punhados de lama dura e empastados a cerca de
trinta centímetros uns dos outros, em cada carreira de bajunça. No curuto, a
lama dura cobria a sua totalidade.
Enquanto isto, tínhamos de ir aproveitando o sal que a
marinha produzia e que era transportado para outras eiras, preparadas ao lado
dos montes de sal que estavam a ser cobertos.
Estávamos em fins de Agosto quando o vento Nordeste se
lembrou de nos vir fazer uma visita!
— Humm… — Diz o marnoto entre dentes — Isto não é tempo
deste tempo! Cheira-me a esturro…
— Mas pai — diz o Toino — as “pombinhas” lá estão por cima
da serra…
—Toca a trabalhar que amanhã vai haver mais serviço do que
hoje!
E vieram mais dois dias de nordeste, menos quentes do que os
anteriores que tinham vindo em Julho, mas mesmo assim ainda dias quentes!
Depois surgiu o tal cheiro a esturro… Ao terceiro dia, logo
pela manhã apareceram nuvens sobre as serras, mas de cor escura, indício de
trovoada, segundo o marnoto. Logo havia que tomar decisões:
— Vamos rer a mão que era para rer hoje e tirar o sal para
cima de eira — diz o marnoto — que se o tempo piorar ainda temos de rer outra
mão.
E não é que, mal acabámos de tirar o sal para a eira e
lavadas as canastras, as nuvens negras começaram a crescer, da serra para o
lado do mar? Mas como…? O vento soprava com uma brisa fresca do mar para a
serra!
— O vento cá por baixo é fresco e por isso não sobe, mas
corre para terra, obrigando o ar quente da serra a subir — por isso as nuvens
que trazem chuva — que correm ao que parece, contra o vento, porque nós cá em
baixo só sentimos o vento que corre do mar para terra, mas durante a próxima
noite teremos as nuvens em cima das marinhas. Chover ou não eis a questão!
Vamos rer a mão que era para rer amanhã, porque se chover de noite o sal
“vai-se todo embora”!- E assim terminou o marnoto a sua explicação.
Voltámos a pegar nas alfaias e toca a voltar ao trabalho.
Passadas umas duas horas estava o serviço terminado. A mão tinha sido rida, o
sal bem puxado para cima do tabuleiro, não fosse chover muito e o sal ser
comido pela chuva!
Nessa noite choveu bem. No dia seguinte não sabíamos o que
iríamos encontrar na marinha. Possivelmente as lamas terão escorrido dos
tabuleiros e dos machos para os meios, que terão ficado sujos com essas lamas.
Amanhã se verá!
O dia acordou com sol. Foi uma trovoada que só por onde
“passou” terá provocado mais estragos. Mas o dia estava lindo ao chegar à nossa
marinha. Já se conversava entre os marnotos que, se a chuva tivesse feito
muitos estragos, não valeria a pena continuar a trabalhar nas marinhas. Tudo
dependia de como teriam ficado! Chegados, verificou-se o esperado. A chuva na
nossa marinha tinha causado estragos. Os meios onde se fabricava o sal estavam
escuros, cor provocada pela lama escorrida dos machos e dos tabuleiros, quando
na época da recolha do sal estão brancos.
— Vamos tirar o sal que está no tabuleiro, mas primeiro
vamos por areia por onde temos de passar, não vá haver uma escorregadela e
alguém partir uma perna!
Assim foi. Tirámos o sal para cima da eira, lavámos as
canastras e os punhos, que foram postos a secar.
O sol estava radioso e o marnoto e o moço mais velho
trocavam impressões:
— Humm… se o tempo
continuar assim, bom… temos de fazer uma limpeza à marinha para continuar a
fazer sal.
E se assim o disse melhor o fez.
Depois do jantar (ao meio dia) ele e o moço mais velho pegam
nos ugalhos e toca de ugalhar a “agua” (na altura já não era moira, já que a
chuva a tinha adocicado), das partes de baixo para as partes de cima,
passando-a por cima do tabuleiro do meio. Os moços iam-na empurrando com galhos
para junto do tabuleiro do meio, donde era ugalhada por quem sabia, para as
partes de cima.
Esta água ficava a “apoitar” pelo menos um dia, para que a
lama provocada pela chuva acamasse no fundo do meio. Depois era aberto o
tabuleiro do meio e a água correria novamente para as partes de baixo onde,
pela ação do calor do sol, se tornaria novamente em moira, dando origem ao sal!
7. A safra terminou
A safra já ia comprida e alguns moços começavam a reclamar.
É que eles eram “ajustados” por safra e não havia outro prazo de prestação de
serviço. Enquanto as marinhas fizessem sal, eles tinham de cumprir! Por isso
quando a safra era comprida, alguns anos havia marinhas que apareciam
“alagadas”. Era fácil, bastava alguns moços juntarem-se durante a noite,
abrirem as bombas de tubo, deixarem-nas abertas e quando na manhã seguinte
chegassem às marinhas, encontravam-nas cheias de água da ria… e então não havia
mais nada a fazer. Com o verão a terminar, as temperaturas a baixar, era o fim.
E assim sucedeu. Chegados à marinha no dia seguinte, foi
retirado o sal que se encontrava aproveitável, dos tabuleiros para os montes.
Começaram a limpar a marinha, que se encontrava muito suja e de difícil
limpeza. Pela tarde começaram de novo as nuvens de trovoada a aparecer do lado
da serra.
— Toca a arrumar as
alfaias e vamos embora que isto não está nada bom! Se amanhã continuar a
trovoada acaba-se com a marinha… — diz o marnoto desgostoso!
No dia seguinte voltaram as trovoadas e o marnoto, depois de
consultar os seus vizinhos da “corte”, resolveram terminar com a safra. Agora
era só achegar as “mancheias” (pequenos montes de sal), cobri-las e estava
terminada a safra. Os moços mostravam-se satisfeitos. Finalmente iriam receber
o que tinham contratado e tentar arranjar trabalho noutro sítio.
8. No Outono
Tinha terminado a safra da marinha. Agora havia que terminar
as colheitas. O feijão já estava nas caixas, seco e preparado para ser
consumido até à próxima colheita, no ano seguinte. Havia agora que colher o
resto do milho, que começava a aloirar nas terras. As suas canoilas grossas
eram difíceis de cortar com a foicinha. Era necessário aplicar muita força para
executar o serviço!
Apanhado, era carregado para a eira, onde era desmantado e
as espigas postas a secar. Secas, estas eram debulhadas a malho como antigamente,
ou mais recentemente, com debulhadora mecânica, alugada para o efeito.
Feito isto, o grão era posto a secar na eira, onde depois de
seco era erguido numa máquina (o erguedor) e voltava novamente para a eira para
que ficasse devidamente seco e pudesse ser armazenado sem qualquer humidade.
Caso assim não fosse, havia o perigo de o grão com a humidade aquecer e
“queimar”.
Se durante a seca havia sinais de chuva, logo os “toldes”
(cobertura feita com palha de centeio, que fazia lembrar as coberturas
existentes nas casas das sanzalas Africanas) eram postos sobre o milho que se
havia juntado para o centro da eira (por ser a parte mais alta) em forma do
telhado de uma casa. Não havia chuva que entrasse.
O modo como o lavrador sabia se o grão estava pronto a
armazenar, era trinca-lo. Se o meio estivesse bem seco era sinal de que poderia
ser armazenado sem perigo!
Agora recordo que uma vez, em vésperas da festa da Nossa
Senhora dos Navegantes, o meu pai nos ter avisado:
— Amanhã ninguém vai à festa. Temos o milho apanhado na
“Terra do Golaima” e temos de o ir buscar, porque o tempo está “ousado” a dar
chuva!
Engolimos em seco. Perder aquela festa é que não podia ser!
Combinámos então nós, os quatro irmãos, que tínhamos de ir à festa. E, pela
calada da noite, tirámos os bois do curral, pusemo-los ao carro, e saímos de
casa silenciosamente, rumo à Terra do Golaima. Quando lá chegamos já se viam os
primeiros alvores da madrugada. Já víamos para trabalhar!
Toca a andar, que se faz tarde. O mais velho, que era
artista nesse serviço, em cima da carrada, a arrumar o milho que os outros lhe
atiravam às gabelas. Era um desaforo a trabalhar! Mas cuidado, o milho era
muito e tinha de ser todo levado numa carrada. Era preciso arruma-lo bem! Findo
o serviço, foi tudo muito bem amarrado com o “adibal”. Agora era rumar a casa,
mas devagar, não fosse a carrada de milho desmoronar, e termos de repetir o
serviço…
Chegados a casa, os bois foram tirados do carro e este posto
ao pino. Era o processo mais rápido de o descarregar. O sol já se levantava por
trás das serras. Ia nascer o dia. Agora era meter os bois no curral e dar-lhe
uma gabela de palha, que bem a mereciam. Amarrados à manjedoura, foi-lhes
servida a primeira refeição do dia. Mas, ao sair do curral, aparece-nos o nosso
pai a indagar:
— O que é que estão vocês aí a fazer?
Contámos-lhe o sucedido e ele foi ver a carrada de milho já
descarregada.
— Vocês não têm juízo. A andar com o gado por aí de noite!
Vocês nem deixam descansar os animais! Vocês dão-me cabo dos bois…
Ele tinha que ralhar. Tinha que dizer alguma coisa. Ficar
calado não era do seu feitio… E como não tinha agora razão para não nos deixar
ir à festa… Mas nós nada dissemos, bico calado! O melhor, quando ele estava
assim, era nem abrir a boca.
E lá fomos nesse dia à festa. A nossa mãe, antes de
partirmos recomendou-nos:
— Cuidado com o trânsito. É por causa disso que o vosso pai
não vos queria deixar ir à festa. Ele tinha “medo” por causa do trânsito…
Fomos para a festa, pelo meio daquele trânsito todo, e
regressámos à noitinha, sem ter havido qualquer problema. Ir à festa de noite,
ir “ao fogo” era impensável…
— Ainda são muito novos para andarem por aí de noite
sozinhos — era a resposta. Invariavelmente!
Mas já não interessava. O nosso plano tinha resultado e o
fogo de lágrimas vimo-lo do aido. Pena foi o fogo de água que era na altura o
mais bonito, mas que da nossa casa não se via bem! Não se pode ter tudo de uma
vez, pensámos!
Foi feita a colheita do milho.
Agora havia que preparar as terras para a sementeira das
ervas que durante o Inverno iriam alimentar o gado. Os terrenos teriam de estar
devidamente preparados para, com as primeiras chuvas, as sementes serem
lançadas à terra.
9. Foram limpas as leiras
Foram limpas as leiras, das felgas e de todas as ervas
daninhas. As milhãs eram apanhadas à foicinha e iam servindo para a alimentação
dos animais. Havia sempre qualquer coisa para fazer.
Agora que as terras estavam prontas, tínhamos que esperar
pela chuva, para as podermos semear. Entretanto, o pai do Toino diz:
— Enquanto não chove e há pouco que fazer, amanhã pegamos na
bateira e vamos à marinha apanhar uma bateirada de estrume, que servirá para as
camas do gado, quando chegar o Inverno.
E o Toino que pensava que iria chegar um período de acalmia
no trabalho, que lhe daria a possibilidade de ler uns livros da biblioteca
existente lá em casa e que tinha sido dos seus tios… Puro engano!
O Toino era novo. Tinha ainda pouca força para puxar a
bateira à cirga, pelo que o pai saltou para terra e o Toino tomou o lugar de
timoneiro, tentando governar a bateira o que, dada a falta de prática, não foi
nada fácil. A bateira ora batia contra as estacas de cimento, ora se afastava
para o outro lado do esteiro, o que tornava difícil a sua progressão pelo
esteiro adiante! E lá vinham as ameaças:
— Ó tu governas a bateira como deve ser, ó quando chegarmos
ao fim do esteiro e eu saltar para bordo, levas com a vara pelas orelhas que
até te consolas, que é para aprenderes…
Chegámos ao fim do esteiro, ele entrou para a bateira, pegou
na vara, e lá veio o castigo… Enxugando as lágrimas à manga da camisa o Toino
ia pensando “Isto não pode ser vida para mim. Tenho de me desenrascar. Isto não
pode ser…”
Chegados à marinha a maré estava baixa. Encalhámos a bateira
que ficou em seco, facilitando o transporte do estrume para bordo.
À medida que o pai ia gadanhando o estrume, o Toino ia-o
enfeixando, depois apertava o feixe com uma corda e transportava-o à cabeça
para a bateira. O estrume era leve e a bateira estava perto, pelo que o serviço
até ia correndo bem! Mas… Quando uma das vezes me dirigia para o local onde ia
fazer o próximo feixe, vejo o meu pai atrapalhado, a correr atrás de qualquer
coisa, com a gadanha em riste. Aproximo-me e o que vejo eu…? Uma cobra cortada
ao meio pela gadanha do meu pai! Fiquei com medo!
— Esta já não faz mal a ninguém - diz o meu pai…
— Esta não. E se aparece outra que tu não vês e vai no
feixe, apanha-me um dedo e morde-me? — Fiquei aterrorizado!
— Já não vai haver mais outra cobra e isto são cobras de
água, não fazem mal a ninguém!
— Já não levo mais feixe nenhum - digo eu apavorado…
— Ai levas, levas! Senão queres levar o feixe à cabeça,
levas com o cabo da gadanha pelas costas que é para aprenderes!
E o cabo da gadanha convenceu-me…
Continuámos com aquele serviço. Logo que sentia o feixe de
estrume na cabeça, corria o mais que podia para a bateira. E assim, entre o
feixe despejado na bateira e novo feixe à cabeça, havia um período que eu
prolongava o mais que podia, caminhando vagarosamente na direção do meu pai,
que continuava nervosamente gadanhando o estrume até que eu chegasse para ele
fazer novo feixe, e pô-lo na minha cabeça!
Enfim, lá carregámos a bateira, já a maré estava quase
feita, e regressámos à Cambeia, onde nos esperava o carro de bois para onde
transferimos a carga da bateira. Estava quase terminado o dia de trabalho. Era
amarrar a bateira no moirão, trazer o carro de bois com o estrume, chegar a
casa, descarregar o estrume para o “rolheiro” meter os bois, dar-lhe o jantar e
estava feito!
Agora era só esperar pela nossa ceia, comer e o nosso dia de
trabalho terminava.
Entretanto, enquanto esperava, peguei num livro que ia lendo
aos pedaços, quando a disponibilidade mo permitia. Era “As Pupilas do Senhor
Reitor” um livro leve e agradável, escrito por Júlio Dinis. Terminado este, já
punha o olho numa extensa coleção de capas vermelhas que existia numa estante….
Vinte e tal livros do mesmo autor - Júlio Verne - que resolvi, logo que tivesse
tempo, começar a ler. Ordenei as minhas ideias e decidi que começaria pelo
número um: “Da Terra à Lua”. Sempre que havia algum tempo livre, era lido mais
um bocado do livro. O que era necessário era estar tempo de chuva, pois se não
chovesse, lá estavam as terras para semear…
Mesmo assim, sempre se arranjavam uns bocados de tempo para
leitura, às vezes com a ajuda do pai do Toino, que já tinha lido toda a coleção
e que, quando andava bem-disposto, ia contando parte daquilo que tinha lido,
enquanto trabalhavam.
Do primeiro livro, ao lê-lo, cheguei à conclusão de que já
tinha lido aquilo em qualquer parte… Tudo o que aquele autor escrevia não era
sobre o passado, nem tão pouco sobre o presente. Era sobre o futuro! E o Toino,
na idade em que estava, tinha era de pensar sobre o futuro, que para ele não se
apresentava nada risonho! E estes livros davam-lhe a oportunidade de sonhar com
o futuro…
Foi o autor que mais me impressionou em toda a minha
juventude e, ainda agora, quando penso nele, fico impressionado quanto à visão
futurista daquele extraordinário autor e as suas descrições. Nem sequer se
pensava nisso e ele descreveu com extraordinário pormenor as viagens “Da Terra
à Lua” e “à Roda da Lua”! Não se pensava em voar e ele descreveu “Cinco Semanas
em Balão”! Não se pensava no mundo submarino e ele descreveu, com pormenor que
impressionou, as “Vinte Mil Léguas Submarinas”. Quem o leu nunca mais esqueceu
o Capitão Nemo, construtor e comandante do Nautilus.
Enfim, ler é viver quando não temos a possibilidade de
viver, para depois escrever, e os outros lerem…
No entanto Júlio Verne descreveu sem viver. A sua imaginação
prodigiosa parece nada ter inventado. Ele via antes de qualquer mortal o fazer.
O futuro deu-lhe razão. Praticamente tudo sobre o que ele escreveu se
concretizou.
Estou a recordar um dos seus mais extraordinários livros
“Miguel Strogoff”. Custou-me a acreditar que tendo ele sido mandado cegar
passando-lhe um sabre aquecido ao fogo sobre as vistas, se verificasse, mais
tarde, que as lágrimas que ele chorava arrefeceram a lâmina do sabre, o que lhe
evitou a cegueira. Este facto consta de um dos comentários que li, e foram
vários, que aconteceram à personagem do livro. E estes comentários têm muito
poucos anos.
10. Entre sol e chuva, as terras foram todas margeadas
Finalmente, entre sol e chuva, as terras foram todas
margeadas e semeadas.
Era um serviço relativamente leve. Espalhavam-se as sementes
pela terra, atrelava-se o arado de margear aos bois, e aí íamos nós de um
extremo ao outro da terra, voltava-se em sentido contrário tantas vezes quanto
as necessárias, até que o terreno ficasse todo margeado. Os regos que separavam
as margens ficavam à distância de cerca de um metro uns dos outros. Depois, com
um ancinho era cobrir as sementes que tivessem ficado a descoberto, evitando
assim que os pardais as comessem! Se o tempo fosse húmido e quente não tardaria
um mês que pudéssemos começar a colher erva para o gado.
Agora, enquanto não se arranjava outro trabalho, o tempo ia
descansando o físico, a mente ia-se cultivando e até havia tempo para, de vez
em quando, ir visitar um amigo que havia adoecido, doença que o obrigava a
estar acamado. Conversávamos, jogávamos uma suecada quando calhava, e lá o ia
ajudando a passar o tempo.
A chuva parara. Havia possibilidades de o dia seguinte ser
um dia de sol. Logo havia a ordem:
— Se amanhã o dia estiver bom, vamos à marinha apanhar mais
uma bateira de estrume!
A ideia da cobra veio-me à cabeça e não me deixou nada
descansado. Enfim o tempo começava a esfriar e possivelmente as cobras estariam
metidas nas suas tocas, protegendo-se do frio. Era esta a minha esperança…
O tempo estava na verdade melhor no dia seguinte e, manhã
cedo, lá fomos nós, o pai de gadanha e engaço ao ombro e o Toino com as duas
varas, em direção à bateira.
O dia não era de chuva mas a manhã estava fria. Notou-se
logo ao meter os pés na lama para alcançar a bateira. Solta esta do moirão, lá
vamos nós para Esteiro do Oudinot. Salto para a margem com a cirga na mão,
estico-a ponho-a ao ombro, e vá de puxar a bateira. São dois quilómetros de
extensão, contra a maré. Chegado ao fim é recolhida a cirga, entro para a
bateira, pegamos nas varas e vá de atravessar a cale, sempre com muita atenção,
não vá aparecer algum navio que nos atrapalhe a manobra. Chegados ao fundão, vá
de “paijar” com as varas como se fossem remos, dado que a cale era muito funda
e as varas não atingiam o fundo.
Passámos sem problemas e da outra banda voltámos na empurrar
a bateira com as varas, até que chegámos à marinha, amarrámos a bateira e
começámos a trabalhar. O pai a gadanhar o estrume e o Toino sempre com o olho à
viva (não fosse aparecer outra cobra) ia-o juntando e enfeixando na corda.
Quando o molho estava com a quantidade suficiente era amarrado. O Pai puxava a
corda de um lado e o Toino do outro, apertavam-no, davam um nó, o pai ajudava a
pô-lo na cabeça do Toino, e aí vai ele a correr com o molho de estrume à
cabeça, sempre a pensar nalguma cobra…
Este serviço repetia-se vezes sem conta, até que a bateira
estivesse carregada. Depois era o regresso pelo Esteiro do Oudinot, o carro dos
bois à espera, o descarregar da bateira…
Este serviço era executado dias sem conta, sempre que o
tempo o permitisse, até que houvesse estrume suficiente para as camas do gado
durante o inverno.
O tempo ia piorando. O vento e as chuvas anunciavam o tempo
que aí vinha, a chegada do inverno. Já havia dias de chuva, que permitiam ao
Toino ler uns bons pedaços do seu livro, até ser “acordado” do sonho que a
leitura lhe provocava, por ordens do pai que dada a ordem continuava na sua
leitura:
— Ó Toino vai dar uma gabela de palha aos bois! — Ou — Dá uma gabela de erva à vaca!
O Toino deixava a leitura e ia confirmar a ordem junto do
pai, não que não tivesse ouvido bem, mas para confirmar qual o livro que o pai
estava a ler. Punha o olho de lado e ia cumprir a ordem.
De regresso, ainda se atreveu:
— Olha lá ó pai, quantas vezes já leram esse livro…? (era o
Mártir do Gólgota)
— Não sei, mas gosto muito dele. Tem aqui uma personagem que
me faz pensar… — E continuou — era o cantor da Galileia e ia fazer serenatas a
Madalena, a pecadora. Chamava-se Boanerges. Se um dia tiver um neto gostava que
lhe dessem esse nome…
E lá continuavam, cada um com a sua leitura, até que da casa
do forno se ouviu a vós da mãe:
— É pessoal, vamos à janta que o comer já está na mesa!
Só nessa altura o Toino se lembrou de ter ouvido o meio-dia
tocar no sino da igreja. E lá deixaram as leituras e foram para a mesa. O Toino
olha para a comida e resmunga:
— Mais uma vez caldo de feijões…
— E é para quem quer! — Responde-lhe a mãe — Se não quiseres
vai para a panela e fica para logo à noite. Nesta casa não se estraga nada…
E como naquela casa só se falava o necessário, a solução era
comer do que havia e bico calado!
O tempo ia passando, sem o Toino fazer ideia do que aí
vinha. Agora era tudo um mar de rosas. Ler, ir ao pasto para os bois, fazer
qualquer outro serviço que fosse necessário e ler, ler! Começava a esfriar
ainda mais. O vento assobiava por entre os ramos das árvores agora já nuas, sem
folhas. O inverno estava a chegar e parece que iria ser de muito frio.
— O futuro o dirá!
Foi a resposta do pai do Toino à pergunta do filho sobre o
assunto. Ele, que no verão previa o tempo, agora mostrava uma certa reserva,
sobro o inverno que se aproximava. Parecia preocupado!
— Comprámos o moliço dos viveiros da Corte do Paraíso e
temos de o apanhar antes do fim de Fevereiro e transporta-lo para as terras. O
tempo de o apanhar está a chegar. Comprei o moliço mais dois dos teus tios e
domingo vamos combinar quando começamos a apanha-lo! Vai começar uma época de
trabalho.
“Com o frio que parece vir aí, deve ser bonito!”, pensa
consigo o Toino. Ele que já tinha sentido o frio que a geada provocava nos pés,
ao pisar a lama branca de geada. Só não compreendia que, no tempo em que andava
na escola primária, quando geava, a sua mãe o obrigava a levar tamancos de sola
de madeira, que eram normalmente comprados na feira dos treze, na Vista Alegre.
No entanto, mal desaparecia das vistas da mãe, era vê-lo a pegar num tamanco em
cada mão, e toca a correr, que para os lados da Escola da Ti Zefa já se ouvia a
algazarra da malta a jogar a bola - tudo descalço - e não havia frio que se
sentisse. Topada numa pedra sucedia de vez em quando; mas nada que um trapo ou
um lenço amarrados no local ferido, logo ali, não resolvesse! Grandes tempos aqueles!
Agora havia que trabalhar, e o que aí vinha não era trabalho
“mole”…
Chegou o domingo à noite e foi-lhe dado conhecimento da
resolução da apanha do moliço.
— Mas pai — diz-lhe o Toino — estamos em Janeiro e o tempo
está tão frio! Podíamos ir um pouco mais tarde…
— O frio não faz mal nenhum, cura… E o trabalho aquece!
Foi a resposta…
“Este homem tem sempre uma resposta!”, resmungou o Toino,
pensando já no frio que iria passar…
11. Que vida esta!
Começava mais uma época de trabalhos, que era exclusiva dos
marnotos da Gafanha já que, os de Aveiro, não tendo terras, se limitavam a
consumir o tempo, visitando de vez em quando a salina, acautelando alguma
“cambeia” que as marés vivas tenham provocado, ou passeando debaixo dos arcos
do Hotel Arcada, local soalheiro e abrigado dos ventos do nordeste, que no
inverno enregelavam o corpo até aos ossos…
Enfim, cada qual nasce para o que nasce!
E para o Toino não era nada bom ser filho de lavrador, com
terras!
E lá foram na segunda-feira seguinte para os viveiros da
“Corte do Paraíso” começar com a apanha do moliço. O pai do Toino com um
ancinho e a gadanha ao ombro, o Toino com um ancinho, montam cada um na sua
bicicleta e toca a andar em direção ao… “Paraíso”??!!!
Atravessaram a ponte de madeira que liga á estrada que dá a
Aveiro e aí foram a caminho dos “moinhos”, onde se localizava o Paraíso. O
vento norte corria de mansinho, mas frio como o gelo. As orelhas e as mãos
sentiam-no bem. Pior seria quando tivessem, ao chegar ao viveiro, de tirar as
calças, ficar em cuecas e entrar na lama. “Enfim, veremos…”, ia cogitando o
Toino, tentando meter uma mão no bolso e conduzindo a bicicleta sem mãos.
Chegaram. Calças fora, cuecas arregaçadas e toca de descer
para o viveiro.
— É pá! — diz o pai do Toino para um cunhado — Está mesmo frio… Toca a gadanhar para
aquecer. Enquanto nós cortamos o moliço, o Toino com o ancinho vai-o juntando
em montes pequenos para depois serem “zurrados” para junto da estrada, d´onde
mais tarde serão carregados para os carros de bois, que o conduzirão às terras,
na Gafanha.
Com o correr do dia, e como o céu se encontrava límpido, o
sol ia aquecendo o ar ambiente, mas não a lama onde se enterravam os
trabalhadores. O corpo com o trabalho, aquecia. Mas as pernas e os pés,
valha-lhes Deus, nem os sentiam…
Lá para o meio da tarde o sol começou a descer no horizonte,
para os lados do mar. A temperatura começou também a descer, o ar ambiente ia
ficando cego, uma espécie de pó finíssimo pairava no ar. Para o fim da tarde o
ar já enregelava os ossos!
— Mau, mau! — diz o cunhado Zé — Se isto assim continua,
amanhã vai ser o bom e o bonito! (Querendo com isto dizer que seria ainda um
dia de mais frio).
— Esperemos que o tempo não encubra, porque então vai ser
frio de rachar…
A noite ia chegando e resolveram regressar a casa.
— Por hoje chega de trabalho — diz o pai do Tónio, que era o
mais velho dos cunhados —, vamos até casa, que amanhã também é dia.
Lavaram a lama das pernas e dos pés, enfiam as calças e aí
vão de abalada até à Gafanha.
“Porca de vida” — ia pensando o Tónio enquanto pedalava em
destina à Gafanha. “Isto não é vida para mim. Isto não pode continuar, tenho de
pensar noutro modo de vida. Não se passa fome, mas o trabalho é de escravo! Lá
que o pai e os tios aceitem este modo de vida certamente por não terem
alternativa, é lá com eles. Eu é que tenho, não posso aguentar este modo de
vida. Não sei o que ganho. Só sei que trabalho que nem um escravo, embora os
meus catorze anos!”
Chegados à Gafanha, cada um foi para sua casa, tendo
combinado que no dia seguinte estariam nos viveiros lá para as oito horas da
manhã!
“Oito da manhã no mês de Janeiro é ainda noite! Que Deus me
ajude para eu poder aguentar… Tenho de me desenrascar. Tenho de arranjar outro
modo de vida” — pensa o Toino. E naquela noite o Toino foi pensando no seu
futuro.
Trabalhar com o pai, era demasiado castigo para o corpo e
para o espírito. Disso tinha a experiência necessária. Isso estava fora de
questão… Ir para uma oficina, como aprendiz de qualquer coisa? Talvez, mas o
caso não se concretizou. Falta de vontade dos pais ou de “cunhas”… Imigrar para
qualquer parte? Na altura era a Venezuela que “estava a dar”… Havia ainda
Angola onde estava a ser acabada a construção de uma aldeia para emigrantes, no
Norte, na zona do café, até já lhe tinham dado nome: era São José de Encoje.
Toino escreveu para o Ministério do Ultramar pedindo
informações e também para a Embaixada da Venezuela. E aguardou!
Entretanto o dia seguinte tinha chegado. Levantaram-se, pai
e filho, foram à bomba lavar a cara. A mãe já se tinha levantado e acabava de
por o café na mesa, onde fez sopas de broa, que com o café quente souberam bem,
já que a madrugada se encontrava extremamente fria. O sol ainda não tinha nascido.
Enquanto preparavam as bicicletas e as alfaias para se
dirigirem aos viveiros do Paraíso (até parece mentira nós irmos para o Paraíso
com aquela temperatura), o Toino diz ao pai:
— Espera um pouco que eu já venho.
— Onde vais? Não te demores…
Eu saí ao portão e dirigi-me à pia de dar água às vacas do
vizinho Sarabando. Sabia que essa pia tem sempre água e tive curiosidade de
saber como estava, com aquela temperatura. Tentei quebrar o gelo em que a água
se tinha transformado e não consegui. Regressei, pensando como estaria a do
viveiro…
— Vamos embora, que se faz tarde! — manda o pai, montando na
bicicleta.
Também montei na minha e fomos andando, enquanto me dirigia
ao meu pai, perguntando:
— A água do viveiro também estará gelada?
— Esteja que não esteja, temos de trabalhar…
Era de ferro este homem, só pele, ossos e nervos. Era só
trabalhar. Também nunca o vi fazer outra coisa!
Chegados, era o que se esperava... O sol começava a raiar e
o seu brilho mostrava um viveiro com uma superfície brilhando. Parecia um
espelho sobre a água completamente gelada. O Toino encolheu-se todo pensando no
frio que devia fazer…
— Vá, toca de tirar as calças, arregaçar as cuecas que temos
de ir “zurrar” o moliço p´ra beira da estrada. E nada de se “dar ao frio”, que
então é pior…
Todos cumpriram a ordem e eis três homens e um garoto de
cuecas arregaçadas a entrar na água e a começar o serviço.
O pai do Toino foi o primeiro, para dar o exemplo. Encosta o
ancinho ao primeiro monte de moliço, encosta a ponta do cabo no ombro e
empurra!
— Porra! — diz, quando não conseguiu mexer o monte — Parece
que está colado ao chão. O gelo colou-o à lama.
E foram precisos dois homens para descolar cada monte.
Depois era arrastá-los, embora com muito esforço. Iam quebrando o gelo
vagarosamente, e lá se chegava junto da estrada. E assim andámos uns tempos
neste serviço.
Nisto ouve-se vindo dos lados da Gafanha vozeria de gente
nova. Eram estudantes da Gafanha que se dirigiam ao Liceu e Escola Comercial,
em Aveiro. Pareciam pardais à solta! Bem agasalhados, bem calçados. E eu ali…
Um tio do Toino, que tinha uma certa propensão para chatear os outros, diz-lhe,
enquanto ia empurrando o seu monte de moliço:
— Olha, olha Toino… Sabes quem vai ali? São os teus irmãos…
Tu não quiseste estudar e agora andas aqui…
Senti vontade de lhe dar com o ancinho nas costas, mas
fiquei-me pela intenção…
Continuar a empurrar os montes de moliço que, à medida que
avançavam iam deixando um sulco aberto por entre o gelo, o que facilitava os
que viriam a seguir, era a solução.
Os que vinham atrás faziam menos esforço a fazer avançar o
moliço, mas tinham de ter mais cuidado com o local onde punham os pés, pois se
não fosse nos sulcos deixados pelo montes de moliço, corriam o perigo de o gelo
duro lhes cortar as pernas enregeladas.
“Que vida esta!” Ia falando para si o Toino… Como é que o
pai e os tios iam trabalhando sem uma lamentação sequer?! Ia-os observando,
tentando imita-los. O cabo do ancinho apoiado no ombro, os pés “fincados” na
lama, o tronco do corpo quase na horizontal para vencer a resistência dos
montes de moliço. Ele lá ia andando conforme as suas forças. Era difícil pela
sua pouca força, e doloroso pelo frio que fazia. Mas tinha de andar…
12. E a estudantada lá desapareceu de vista para os lados de
Aveiro
E a estudantada lá desapareceu de vista para os lados de
Aveiro. Teriam frio na cara mas não no resto do corpo bem agasalhado e com as
mãos enluvadas. E o Toino ia trabalhando e pensando: “E eu aqui…”
Enfim, terminou a apanha do moliço. Agora era vir com o
carro dos bois e transporta-lo para as terras. Seria no dia seguinte que
começariam com esse serviço. Assim foi.
— Como os bois não andam tão depressa como as bicicletas,
amanhã temos de levantar mais cedo, para ao nascer do sol estarmos lá! — avisa
o pai do Toino.
Não havia safa. Aqueles homens sempre levaram aquela vida,
parece que nada os incomodava. Os três cunhados eram só pele e osso — os três —
mas a sua resistência parecia não ter fim. E o Toino tinha que aprender a
resistir…
No dia seguinte, era ainda madrugada, aparece a minha mãe a
chamar-me:
— Toino “alabanta-te” que o teu pai já está quase pronto e
vai tirar os bois para pôr ao carro.
O Toino ainda reclama que é de noite, mas a mãe tira-lhe os
cobertores de cima e obriga-o a levantar-se. Almoçou rapidamente que o pai já o
chamava:
— Vamos à vida que os bois já estão ao carro.
Vesti uma samarra — que o tempo estava frio — e sentei-me no
carro tangendo os bois, avançando lentamente pela estrada de ia dar aos
viveiros. Chegámos à Cale da Vila era ainda noite. Ao passar junto à casa do
Sr. Cunha, estranhei ver luz numa varanda da casa que dava para a rua. Olhei
com mais atenção e vi o dono da casa ajeitando a sua gravata no pescoço, ao
mesmo tempo que olhava o céu, tentando imaginar se iria estar um bom dia de
seca (ele era um armador de navios da pesca do bacalhau e tinha também uma seca
de bacalhau). E eu que pensava que as pessoas ricas se levantavam quando
quisessem (normalmente tarde). Afinal não era como eu imaginava…
Seguimos o nosso caminho, chegámos aos viveiros e começámos
a carregar os carros com o moliço que se encontrava à beira da estrada, o que
não levou muito tempo, pois com o frio que fazia, quanto mais depressa
trabalhássemos mais o corpo aquecia, e não sentíamos tanto a “gerpa” que nos
atravessava a roupa e parecia querer colar-se à nossa carne! Finalmente lá
carregámos os dois carros, amarrámos as sebes com cordas e partimos de regresso
rumo à terra de um dos tios, a quem o moliço desse dia se destinava. Ao passar
pela ponte de madeira que liga a Gafanha a Aveiro, com o peso dos carros
carregados de moliço, esta balançava que metia medo! Finalmente ultrapassada
entrámos no asfalto. À direita ficava a casa do cantoneiro Sr. Sousa, com a
velha figueira ao lado. Fiquei mais descansado. Agora era mais meia hora e
teríamos os carros descarregados na terra. Depois era ir para casa meter os
bois no curral, dar-lhe alimentação e aquela manhã de trabalho estaria
terminada.
Depois…
— Vamos jantar que de tarde temos de ia “zurrar” o resto do
moliço que está apanhado, para amanhã o irmos buscar para a terra do Tio Zé —
diz o pai do Toino.
Não era costume, mas até deu uma explicação:
— As manhãs estão muito frias, vamos apanhar e zurrar moliço
de tarde e aproveitamos as manhãs geladas para o transportar. Sempre se pode
trazer mais “roipa bestida” e não se sente tanto frio…
(E eu que pensava que “eles” não sentiam frio…)
Enfim, este período infeliz para o Tónio — o levantar cedo,
o frio, o gelo em que se transformava a água dos viveiros, e especialmente a
passagem da malta para o estudo a caminho de Aveiro — também havia de acabar! A
todos estes tormentos se juntava o gozo dos seus tios “Não quiseste estudar (o
que não era verdade) agora o teu corpo é que paga…”
Finalmente terminou a apanha do moliço. O tempo frio parece
ir acabar. Viriam as chuvas e com elas, o tempo para ler mais uns livros. Oxalá
as chuvas demorassem a ir embora. O tempo aqueceria um bocado e a temperatura
seria menos desagradável.
Num destes dias, ao chegar a casa, depois de ter ido apanhar
um molho de erva para o gado, diz-lhe a mãe do Toino:
— Chegou uma carta no correio. Penso que é para ti. Toma!
E entregou-lhe a carta. Pelo envelope logo soube donde
vinha: Embaixada da Venezuela. Abriu-a rapidamente e leu: para emigrar para a
Venezuela era necessário ter lá um familiar, ou outra pessoa que se
responsabilizasse pela sua estadia, e lhe enviasse uma carta de chamada… “Para
aqui, estou arrumado!” Pensou o Toino olhando para a carta e para sua mãe que
curiosa queria saber o que dizia a carta. Contei-lhe o que se passava e ela
repreendeu-me:
— Pensas que tens idade para andares por esse mundo fora
sozinho? Apanha é juízo…
Bem, ainda há a possibilidade de Angola. A resposta havia de
chegar! Eu até tinha lido numa revista que andavam a arranjar pessoal para a
tal aldeia de São José de Encoje… Só que pretendiam gente mais madura e pessoal
que fosse casado. E eu era novo e solteiro… Tudo contra mim, mas a esperança
era a última coisa a morrer. Há que esperar!
E enquanto ia esperando, ia lendo. Qualquer espaço de tempo
era por mim aproveitado para ler. Li quase toda a coleção de Júlio Verne. Quem
corre por gosto não cansa…
Já ia pondo os olhos para a “Bíblia Sagrada”, obra de quatro
grandes volumes. Cada folha era escrita em duas línguas: a coluna da esquerda
em português e a da direita em latim, ”iluminadas” com desenhos coloridos,
feitos à mão. Verdadeiras obras de arte. Aquela Bíblia tinha com certeza mais
de cem anos! Comecei a ler aquela maravilha. Primeiro observava os desenhos
longamente… No texto seguinte estava escrito tudo o que eu imaginara ao
analisar os desenhos. Assim era mais fácil memorizar os que tinha observado e
lido. Levava mais tempo, mas valia a pena.
Ainda me recordo que quando uma vez o meu pai passou e eu
estava embebido na leitura, ele me ter chamada a atenção:
— Quando tiveres dificuldade em compreender alguma coisa do
que estás a ler vais ao último volume, que está lá explicada toda a
interpretação que a gente não compreender da Bíblia…
Fiquei admirado e pensei comigo: “Será que é tão difícil
compreender este livro, que deve ter sido escrito para toda a gente
compreender?!” Fui andando com a leitura e, algumas vezes, recorria ao tal
livro, um volume com muito menos páginas do que os outros.
Mesmo assim, continuei com a leitura. Era interessante,
embora já conhecesse parte do que descrevia, pelo que aprendi na “catequese”
mas sem qualquer alteração… “Todos os factos ali descritos narrando coisas passadas
há milénios, não haviam sofrido alterações? As mentalidades não sofreram
evolução? Será que a ciência não evoluiu de modo a poder explicar de outro modo
coisas que se passaram há milénios?” E a dúvida começou a tomar forma na minha
cabeça. Tinha de haver explicação diferente para muitos dos factos narrados na
Bíblia, à luz do saber atual. E eu havia de encontrar as diferenças e a sua
razão!
E continuei com a minha leitura, até que cheguei à parte que
tratava da conceção e nascimento de Cristo, a sua vida até à sua morte e
ressurreição. Já da primeira vez que tinha lido estas coisas me ficaram algumas
dúvidas. Hoje era já tarde e resolvi deixar a leitura e ir pensando no caso. E
assim fiz. Arrumei o livro e fui dar uma volta até ao quintal para espairecer.
A cabeça pesava-me com aquelas ideias… “Porque não era possível, naquela
altura, uma mulher ter um filho sem pai, pois seria considerada uma prostituta
e seria apedrejada na praça pública, arranjou-se-lhe um marido chamado José,
mas que não poderia ter relações sexuais com Maria (seria pecado), tendo-se
esquecido o narrador da História de que o Criador ao fazer o homem e a mulher
lhes ter dito: “Crescei e multiplicai-vos!” E isso não seria possível, mesmo à
luz da razão da época, sem que houvesse uma relação sexual entre homem e
mulher… Mas Maria, está escrito na Bíblia, concebeu e deu à luz um filho, sendo
virgem e continuando a ser virgem depois de dar à luz…”
O narrador tinha de arranjar uma explicação para o facto! E
arranjou: “o Criador enviou à Terra (não somos os únicos seres existentes neste
mundo) um emissário, o Espírito Santo, e Maria concebeu por Sua obra e graça.
Depois teve um filho a que chamaram Jesus, ficando sempre virgem!”
Esta explicação era, ao tempo, a única aceitável! Ao Criador
tudo era possível…
“Mas, e agora? Eu vou ter de continuar a aceitar essas
ideias? Não haverá outras respostas? “Comer e calar”, como era uso dizer-se cá
em casa? Não. Eu que tenho sofrido como poucos as agruras da vida, tanto morais
como materiais e físicas, não as aceitarei. E hei-de descobrir uma razão à luz
da ciência atual e o porquê - não direi da mentira da Bíblia — mas da razão de
o facto ter sido explicado como o foi. Ah...! “O Espírito Santo desceu à terra
e veio num carro de fogo”… Hoje a esse carro de fogo chamaríamos “foguetão” (na
altura não existiam…) Desceu sobre Maria e ela concebeu um filho a que deram o
nome de Jesus… Naquele tempo como seria possível explicar a inseminação
artificial? Só um louco tentaria, mas sem resultado, pois essa prática ainda
não existia e ele correria o risco de ser considerado mesmo louco, ele que com
as explicações dadas, mostrou ser uma pessoa inteligente. Atualmente já se
pratica… Maria deu à luz, sendo virgem e continuando virgem. Mas como era
possível explicar isso na altura?! Mulher que concebia, e mais, dava à luz, não
poderia continuar virgem.” Mais uma vez o narrador da bíblia teve de utilizar a
inteligência: “Maria concebeu, deu à luz, e continuou virgem, por obra e graça
do Espírito Santo!” E não havia, na altura, mais explicações a dar! A fé
explicaria as dúvidas. Hoje não seria assim, porque a ciência progrediu. A
conceção já foi indicada como seria explicada hoje. Quanto ao nascimento seria
explicado como se faz hoje, terá havido uma cesariana, pelo que Maria continuou
virgem…”
13. Outras leituras
Outro caso que nunca me pareceu bem explicado foi o facto de
José (marido, companheiro?) de Maria. Continuando as minhas leituras não
encontrei resposta para esta pergunta que me fazia! Um dia ao ler a história de
uma mulher que foi apedrejada por ter engravidado sendo solteira (isto no tempo
de Jesus, o que ainda agora se verifica para aquelas bandas) levou-me a pensar
que José terá sido um simples companheiro de Maria, para lhe evitar dissabores
e ajudar no sustento da casa já que nem todos os judeus acreditavam na história
do Espírito Santo.
Fiquei-me com estas minhas explicações, meditando se haveria
outras mais plausíveis. Se as houvesse, viria a descobri-las. E a leitura da
bíblia continuou. Eu não poderia perder tempo se quisesse acabar a sua leitura.
Entretanto mudei de assunto — quero dizer, de leitura — para
outra que não fosse tão maçuda. Eram só desgraças e pecados.
Fui à estante e escolhi um livro de Júlio Verne, autor que
escrevia sobre o futuro. Peguei em “Cinco Semanas em Balão” e eis-me a voar
pelos ares, conforme narração do autor! Era uma leitura agradável como,
normalmente, todas as de sua autoria. Dois dias depois (e parte de duas noites,
que de noite também se lê!) tinha eu passado cinco semanas num balão,
juntamente com a imaginação extraordinária do escritor. Era leitura fácil,
parecia-me intuitiva e portanto era aceite pala minha imaginação, e terminou
rapidamente.
Mais uma ida à marinha apanhar uma bateira de estrume, que o
tempo tinha melhorado e era necessário aproveitar o bom tempo, e os dias iam
passando…
Até que um dia ao
chegar a casa, a mãe do Toino lhe disse:
— Hoje o correio
trouxe uma carta para ti.
— Uma carta? Onde
está ela?
— Em cima da mesa da
casa do forno…
Curiosamente, dirigi-me ao local indicado e peguei na carta,
mirando-a.
— Oh!
— Que é? — pergunta-lhe a mãe.
— É com certeza a
resposta ao meu pedido de informação, sobre a minha ida para Angola.
— Vê lá menino onde
te andas a meter… — responde a mãe
apreensiva!
Abri a carta rapidamente e li-a. Ao terminar a leitura senti
um certo desconforto, que minha mãe notou.
— Que foi…?
— Afinal, é tudo a
mesma coisa. Para ir para Angola também é preciso carta de chamada, como para a
Venezuela. Mas Angola é uma Província Ultramarina como me ensinaram na escola
ou é um país estrangeiro como a Venezuela? —
desabafa o Toino, desanimado…
— Graças a Deus!
Ouço minha mãe dizer por entre dentes, ao mesmo tempo que se
afastava do local!
As mães são mesmo assim. É preciso é ter os filhos junto às
suas saias, embora isso possa prejudica-los, como era o caso. Mas eu não posso
continuar com esta vida. Tenho de a resolver!
Ouvi dizer a uns colegas que a Escola Industrial e Comercial
de Aveiro iria começar a ministrar cursos noturnos para trabalhadores e resolvi
inscrever-me no curso comercial. Assim fiz, e na devida data fui inscrever-me.
Ficava na altura a Escola instalada no antigo Liceu José Estêvão, junto ao
Tribunal, hoje Câmara Municipal. Era quase à entrada da cidade para quem vem da
Gafanha, o que nos convinha, pois não era necessário atravessa-la.
No primeiro dia de aulas, reparei que havia muitos alunos
inscritos, especialmente no curso industrial. Eram trabalhadores das oficinas
instaladas na Gafanha, normalmente nas das empresas da pesca de bacalhau
especialmente na Empresa de Pesca de Aveiro que, tendo muitos navios arrastões,
ocupava muito pessoal próprio nas reparações desses navios - serralheiros
mecânicos e civis, carpinteiros e outras especialidades. Alguns desses alunos,
inscritos na JOC (Juventude Operária Católica) mais tarde vieram a inscrever-se
em concursos internacionais das suas especialidades, onde obtiveram excelentes
classificações!
Começámos a conhecer-nos mutuamente. Éramos cerca de uma
dúzia, matriculados no Comercio e na Industria. Havia horários diferentes, pelo
que não nos juntávamos todos os dias. O único meio de transporte era a
bicicleta, que cada qual utilizava individualmente. Éramos gente nova, cheia de
vigor e enquanto fazíamos o caminho íamos conversando e brincando, tornando
aquelas viagens agradáveis. Mais tarde, quando chegasse o inverno, outro galo
cantaria… As chuvas, os ventos por vezes ciclónicos, iriam por à prova a nossa
resistência às intempéries e ao estudo. É que não havia outro meio de
transporte...
Houve até um colega que, dadas as nossas brincadeiras por vezes
serem autênticas corridas de bicicleta, se lembrou de apelidar a malta de “Os
Águias de Alpiarça”, pois à data existia um clube de ciclismo com esse nome!
Naquele dia de Novembro a tarde aproximava-se do fim. O céu
estava limpo, as estrelas brilhavam. Mas o vento nordeste rugia e a mãe do
Toino aconselhou-o a faltar às aulas, depois de uma rajada de vento mais forte
ter feito entrar pela porta da casa do forno um resto de folhas de árvore que
ainda se encontravam amontoadas no aido!
— Menino! (para as
mães os filhos são sempre meninos) Se fosse a ti, hoje faltava às aulas. O
tempo está mau. Está muito vento…
— Não faz mal, mãe! É só vento frio. Se fosse chuva era
pior… Responde o Toino.
Pegou na bicicleta e na pasta dos livros, e aí vai ele em
direção a Aveiro. Mal chegou à casa da “Ti Sarda” e rumando para a rua
principal aí vem o vento forte, de frente, obrigando-o por vezes a pedalar de
pé em cima dos pedais. Mas o caminho foi vencido, embora tivesse chegado à
primeira aula mesmo na hora de entrada. No intervalo da primeira aula, notei
que afinal ninguém tinha faltado às aulas, muito embora o tempo estivesse muito
frio e ventoso. A segunda aula foi de História Universal, disciplina que eu não
apreciava muito. Mas o professor, homem sabedor do assunto e com extraordinária
dicção, ia dando a aula como se conversasse com os alunos, contando uma
história, despertando o nosso interesse sem darmos por isso… E foi assim que eu
comecei a gostar da História, especialmente da antiga e que se referia ao Médio
Oriente.
Terminadas as aulas, verifiquei que os meus colegas da
Industria (como lhe chamávamos) tinham tido feriado na última aula, por falta
do professor. Como era o único aluno do Comércio, nessa noite não teria colegas
no regresso à Gafanha. Teria de seguir sozinho! Com aquela ventania toda pelas
costas, seria uma viagem rápida. Tentei bater o meu próprio recorde de chegar à
ponte da Gafanha sem por as mãos no guiador da bicicleta. Já o tinha tentado
várias vezes mas a curva das Pirâmides (a noventa graus com inclinação
acentuada) não mo tinha permitido… Iniciado o regresso, logo a seguir à ponte,
à saída de Aveiro, meti as mãos nos bolsos, e aí vou eu… A velocidade era
grande, tive de regular o farol da bicicleta para que as duas lâmpadas ficassem
acesas, pois dada a velocidade, só uma acesa provavelmente iria fundir-se!
Agora aproximava-se a curva da Pirâmides. Não poderia diminuir a velocidade e
tinha dar a inclinação necessária ao corpo e à bicicleta para não me despistar.
Olho para a frente e para a esquerda, não vem nenhuma viatura em sentido
contrária. Entro pelo lado esquerdo da curva e saio pelo direito diminuindo
assim o ângulo de curva… Desta vez passei!
Tomo o rumo da Gafanha, agora com mais velocidade com o
vento mesmo pelas costas. Até à ponte levaria meia dúzia de minutos. Assim foi.
Chegado aí tive de ter mais cuidado. A entrada na ponte fazia-se com uma curva
também apertada e se falhasse só pararia na água… Havia que abrandar a
velocidade, e as mãos que até aí tinham vindo nos bolsos, saíram e seguraram
bem no guiador da bicicleta, não fosse o diabo tecê-las! Cheguei à ponte. O
“meu” recorde estava batido! Atravessei a ponte, entrei na Gafanha, e agora
eram mais dois quilómetros e estava em casa.
Ceei, preparei as lições para o dia seguinte, e fui-me
deitar.
14. O tempo já não era quente e estava-se bem na cama
Era Outono, o tempo já não era quente e estava-se bem na
cama. Nessa noite o tempo estava mesmo frescote! E o tempo ia passando. Passou
o Outono, chegou o Inverno.
Era agradável a frequência das aulas. Menos as deslocações,
com os ventos fortes acompanhados de chuvas. As roupas impermeáveis que
tínhamos de usar dificultavam os movimentos. Para o frio que por vezes fazia,
bastava usar roupas mais quentes.
Entretanto chegou o tempo da apanha do moliço, com todos os
problemas que acarreta: o frio e o gelo com todas as suas consequências. Mas o
Toino estava mais crescido, com mais força, e isso facilitava-lhe a execução do
trabalho. Só lhe fazia doer o coração era ver a estudantada passar na estrada,
bem agasalhada, passando alegremente a caminho de Aveiro e ele ali atolado na
lama, cheio de frio, zurrando (empurrando) os montes de moliço em direção à
estrada! Mas este tempo também iria acabar para ele. Para isso, depois de
trabalhar, ia estudar, e como quem corre por gosto não cansa, ao dia sucedia-se
a noite de estudo, de esperança num futuro melhor.
Passou o inverno, veio a primavera e o verão.
Veio o serviço das marinhas, o mesmo trabalho, as mesmas
labutas. Preparar a marinha, “pô-la” a sal quando estiver preparada e depois
colher o sal. Os quentes dias do verão com o vento nordeste que assava a pele,
ou a fresca nortada que nos aliviava daquele forno, daqueles quentes dias do
nordeste, que custavam a passar. Mas iam passando…
Com o verão os dias cresceram. A entrada nas aulas era
normalmente as sete horas. Era ainda meio da tarde para o pessoal que
trabalhava nas terras, de maneira que nem sempre a mãe do Toino tinha tempo de
lhe preparar uma merenda para ele comer antes de ir para a Escola Comercial.
Quando isso sucedia, o Toino ao chegar a casa, encontrava em cima da mesa da
casa do forno uma moeda de vinte e cinco tostões para levar e comer qual que
coisa antes de ir para as aulas. Era sabido: pedalar mais rápido para ter mais
uns minutos. Entrava em Aveiro e no segundo quarteirão à direita ficava a loja
da “Ti Camila” (à esquerda era um canal da ria). O Toino encostava a bicicleta
ao passeio, e vá de entrar.
— Ti Camila! Uma isca dentro de um pão e um copo pequeno de
branco, se faz favor! Era a receita! E que bem que me sabia (pela fome ou pela
vontade de comer que eu levava!) Dali à Escola era um pulo. Eu não queria
faltar à primeira aula que naquele dia era sobre História Universal e o
assunto, Médio Oriente. Lá estará o Dr. David Cristo conversando com os seus
alunos (era este o seu modo de ensinar) e nós que já éramos uns homenzinhos,
gostávamos deste modo do nosso professor: ouvíamos, fazíamos perguntas que
nunca ficavam sem resposta, e assim se passava uma hora de aula, sem que
déssemos por isso! Rapidamente chegava a hora de tocar a campainha, anunciando um
intervalo de dez minutos.
E depois vinha uma aula, e mais outra, e mais outra.
Normalmente eram quatro por dia. Cerca das vinte e três horas era o regresso
para quem tinha todas as aulas.
E lá vínhamos em bando a caminho da Gafanha, o que nem
sempre era pacífico: uma roda que se furava, um raio que partia ou um pneu que,
dada a sua idade, rebentava, não eram problemas de maior!
O Toino, dado o seu físico avantajado, pegou na bicicleta
avariada ao ombro, montou na sua e “bota para a Gafanha”. Para o Zé, que tinha
ficado a pé, havia que arranjar meio de transporte: foram apalpadas todas as
rodas dos restantes elementos do grupo. As que se encontravam em melhor estado
(mais cheias) eram as da bicicleta do Eduardo, de maneira que foi ele que teve
de trazer o Zé no quadro da sua bicicleta. E mais um problema que foi resolvido
pelo grupo.
O Tempo ia passando, até que chegou a altura dos exames.
Era verão e o Toino era dispensado do serviço na marinha
para poder estudar e rever as matérias que apareceriam nos exames. Nem mesmo
assim tinha o tempo totalmente livre para estudar pois era tempo da rega do
milho, e a mãe, que andava no meio do milheiral a orientar a rega (fecha aqui a
caneja, abre-a mais alem…) não o dispensava de “tomar conta da vaca”, para que
ela não parasse de andar à volta do poço e a água corresse normalmente até ao
destino que a mãe lhe dava lá longe no meio do milheiral! Para que o animal não
visse se estava alguém por perto era-lhe aplicada, no focinho, uma “careta”
que, tapando-lhe os olhos, lhe evitava a visão. Então usa-se a técnico do
assobio (assobia-se baixinho como se estivesse longe e dá-se uma pequena
pancada no animal). Esta técnica é seguida várias vezes, até que a vaca ouve o
assobio, pensa que alguém está perto dela, e não para…
Esta técnica era a seguida pelo Toino que, de livro na mão,
ia estudando e ouvindo o travão do “engenho” que no seu tac-tac ia dando o
ritmo do andamento do animal que rodava à volta do poço…
Ao contar esta técnica a alguns colegas ficou conhecido, em
ar de gozo, pelo “Toca à vaca”… Enfim…
Os exames eram feitos e o Toino lá ia passando, com maior ou
menor dificuldade. Mas um dia lembrou-se: “por este andar vem aí a tropa e, se
eu não tiver o curso completo, vou “as sortes” e assento praça como soldado… E
isso, eu não quero…
Eram cinco anos, já não dava tempo! Só havia uma solução:
fazer o exame do primeiro ciclo dos liceus, como aluno externo!”
E assim fez. Além, no ano seguinte, dos exames na Comercial,
fez o primeiro ciclo dos liceus. Trabalhos a dobrar mas o Toino lá passou! Na
altura ficou satisfeito…
Sabia ele que com as habilitações literárias com que ficou,
iria para o curso de milicianos. “Nada mau!”
— pensou na altura. Sairia da tropa como Furriel Miliciano. Tudo na
altura parecia de acordo com o que tinha programado.
Assentou praça no R.I. nº 10 em Aveiro, fez a recruta, foi
para Tavira onde fez o Curso de Sargentos Milicianos no CSM e regressou à
unidade de origem como Cabo Miliciano, tendo aí dado uma recruta e participado
nas manobras militares que anualmente se realizavam em Santa Margarida. Passou
à disponibilidade (peluda).
15. Marinha nunca mais!
Agora teria de arranjar outro emprego. Marinha nunca mais!
Comunicou a sua intenção a amigos, e passados uns tempos
foi-lhe oferecido trabalho no escritório de num armazém de mercearias, onde
trabalharia até que arranjasse melhor emprego. Foi uma boa experiência pessoal,
especialmente pelos contactos com clientes e fornecedores!
Ainda hoje recordo um facto ocorrido quando recebi ordem da
gerência da firma para ir fazer um pagamento de fornecimento de feijão a um
lavrador local. Era uma quantia avultada naquela época: três mil duzentos e
cinquenta escudos. Teria de trazer o dinheiro para minha casa e, á noitinha,
iria a sua casa fazer o pagamento, dado que se trabalhava nas terras de sol a
sol e não valia a pena ir com o sol no céu porque não encontraria ninguém em
casa.
Chegado a casa informei o meu pai da quantia que trazia, a
quem se destinava, mas que só à noite poderia ir fazer o pagamento.
Recomendou-me cuidado com o dinheiro e que não saísse de casa, não fosse por
azar perder alguma nota. E deixei-me ficar por ali até se fazerem horas. Passados
uns tempos o meu pai chega-se junto de mim e diz-me baixinho:
— O Ti Zé Maria Branco passou agora com o carro das vacas
direito a casa. Deixa-o arrumar o gado, depois vais lá pagar ao homem, mas toma
cuidado, ele que conte o dinheiro, não vá o diabo tecê-las…
Assim fiz, e dirigi-me à sua casa era já noite velha.
Cheguei, bati à porta “Truz, truz, truz…”
— Quem é? — perguntaram lá de dentro.
— Sou eu, o Toino. O meu patrão…
Então a figura do dono da casa, homem já com uns bons anos
contados chega rapidamente junto de mim!
— Fala baixo cas paredes têm oividos. Entra cã gente está a
cozelabôla.
Entrei, disse ao que ia e entreguei o dinheiro pedindo que o
contasse.
— Não é preciso homem. Tu és filho de gente séria…
Insisti, ele lá contou o dinheiro e verificada a sua
exatidão dirigiu-se ao interior da casa onde iria guardar o dinheiro. Eu
aguardei.
Só então reparei na dona da casa que, na sua labuta, lá
estava na verdade a meter a broa no forno para que este a cozesse.
Entretanto chega o marido.
— Tudo bem Ti Zé Maria? — pergunto.
— Tudo bem, e agradece ao teu patrão ter-me mandado o
dinheiro. Assim evitei uma caminhada até ao vosso armazém para ir receber.
Um aperto de mão foi o recibo que ele me passou pela quantia
recebida.
Fui para casa aliviado pelo serviço cumprido e pela falta do
dinheiro no bolso, cuja responsabilidade tanto me tinha pesado… Chegado, peguei
num livro — não num romance, pois agora eram os livros técnicos que mais me
interessavam. A contabilidade, especialmente os “lançamentos”. Foi aí que
aprendi o princípio básico: “Quem recebe deve, quem entrega tem a haver”.
Aquele ou a conta que recebe, deve. Aquele ou a conta que entrega ou paga, tem
a haver. Chamaram a isto “partidas dobradas”. Foi esta teoria que me orientou
pela vida fora.
Entretanto chega a voz da mãe da casa do forno:
— Pessoal, vamos à ceia que o comer está na mesa…
Todos se juntaram à volta da mesa acomodando-se conforme
podiam e toca a comer que já era tarde. Finda a ceia o pessoal dispersou. Uns
foram para a cama, outros ainda tinham que passar a vista pelas lições do dia
seguinte. Passados uns tempos, a calma naquela casa era absoluta. Fui-me também
deitar, descansado.
No dia seguinte, ainda cedo, fui acordado pelo meu pai.
— Levanta-te, que está ali o Ti Zé Maria Branco e quer falar
contigo.
Estranhei, mas logo pensei que deveria ser sobre o pagamento
do dia anterior. Deve ter ido contar novamente o dinheiro nessa manhã, e alguma
nota que lhe caiu no chão, e a conta não estava certa. Levantei-me e fui falar
com o homem.
— Bom dia Ti Zé Maria. Então que há?
— Não sei o que se passou. Hoje de manhã fui para contar
novamente o dinheiro e não o encontrei. Não sei onde o pus.
— Mas você contou o dinheiro e foi para dentro de casa
arrumá-lo, e eu fiquei com a sua esposa que estava a cozer a bola. Você veio e
disse-me que estava tudo certo. Até me apertou a mão…
— Eu sei mas agora não sei onde ele está…
— Então vá para casa e procure-o. Não teriam ido os ladrões
à sua casa de noite?
— Não me digas isso. Eu meti o dinheiro debaixo do colchão e
se alguém lá fosse eu sentia…
— E será que o pôs onde hoje o foi procurar? Que vou eu
agora dizer ao meu patrão?
O homem ficou pensativo e disse-me:
— Deixa lá. Eu vou para casa, vou procurar o dinheiro mais
descansado e se houver novidade eu venho dizer ao teu pai!
Almocei e enquanto me dirigia ao trabalho ia pensando qual
seria a reação do meu patrão ao tomar conhecimento do sucedido. Chegado,
contei-lhe o que se havia passado, e ele com todo o traquejo que tinha ganho a
lidar com pessoas como este nosso amigo, disse:
— Tenho a certeza de que ele depois de contar o dinheiro e
quando foi para dentro de casa, o foi esconder debaixo do colchão. Hoje ao
querer contá-lo de novo o foi procurar noutro sítio, embora debaixo do colchão,
mas não onde o tinha guardado. Vais ver que quando chegares a casa para comer,
ele lá estará à tua espera a dizer que o dinheiro apareceu!
— Oxalá! — Respondi, preocupado com o que se tinha passado,
embora tivesse a minha consciência tranquila!
E o tempo parecia que não mais querer passar! Ao notar a
minha impaciência, o patrão diz-me:
— Com o nervoso que estás, ainda começas a enganar-te nas
contas e depois é pior! Quando entenderes vai-te embora e só vens depois de
comer, que de certeza já vens mais descansado…
Nesse dia saí mais cedo uma hora.
Ao abrir a aldraba do portão entrei em casa, e deparei com o
Ti Zé Maria a conversar com o meu pai. Ao reparar em mim, dirigiu-se a mim
dizendo:
— Desculpa o engano que houve.
— Então o que se passou? — perguntei, já mais aliviado!
— Deixa lá. Quando fui arrumar o dinheiro, pensei que o pus
debaixo do colchão, mas como ele estava roto, meti-o dentro do colchão. Só
quando mais tarde a minha Maria, foi fazer a cama reparou no colchão roto meteu
a mão e foi lá que eu tinha metido o dinheiro, sem dar por isso.
— Valha-me Deus! Felizmente que está tudo resolvido. Ele há
cada coisa…!
E lá se foi o Ti Zé Maria embora, nos seus vagares, mãos
atrás das costas, ligeiramente inclinado para a frente, como era hábito nas
pessoas da sua avançada idade.
Almocei descansado e sai de casa a horas de ir tomar um café
ao “Briol” e seguir para o trabalho de modo a chegar lá antes das duas horas,
que era a hora de entrada ao serviço, da parte da tarde. O meu patrão
recebeu-me com um sorriso comprometido…
— Então como foram as coisas com o Ti Zé Maria?
Contei-lhe o que se tinha passado, que quando cheguei a casa
o tinha encontrado a conversar, descansado, com o meu pai, e a explicação que
me deu. Aí também ele respirou fundo… Viu-se que também ele estava preocupado,
e disse:
— Foi o que eu te tinha dito. Estes “antigos” são assim. O
cofre mais seguro para eles é o colchão, pois dormem sobre ele. E de dia
ninguém se atreve e entrar em casa, dado que todos os vizinhos se conhecem
muito bem e, se algum estranho fosse visto a entrar na casa de um vizinho, não
sairia de lá com muita saúde. A gadanha, que com a sua lâmina afiada, tanto
serve para cortar erva e junco, como arma de defesa… Ou a enxada, que tanto
serve para cavar na terra, como nas costas do estranho, pondo-o a cavar…
Este trocadilho, que achei estranho vindo de quem vinha,
deixou-me bem-disposto, e dei início ao trabalho que teria de executar nesse
dia. Entrei no escritório, dirigi-me à secretária e abri a gaveta onde no dia
anterior tinha deixado uma série de faturas de fornecedores que teria de
conferir.
No entanto fazer do colchão da cama, cofre, esta não
lembraria ao diabo… E não me saía da cabeça… Ao chegar a casa ainda fui
confirmar junto do meu pai, se esse era o hábito das pessoas - esconder o
dinheiro no colchão!
— Cada um guarda-o
onde pensa que está melhor guardado!
Foi uma resposta que me deixou dúvidas. “Será que o meu pai
faz o mesmo?!“ pensei. Bem, aquele assunto estava resolvido. A vida tinha de
continuar e deixámos de pensar naquilo. Amanhã era novo dia.
Passaram-se uns tempos naquele patrão, onde ia aprendendo
mas sem ganhar grande coisa, até que, sem eu pensar em tal, me surgiu nova
oportunidade. Uma noite regressava a casa vindo do namoro, assobiando
alegremente, quando ouço uma voz:
— António, para aí que preciso de falar contigo!
Parei e aproximei-me de quem havia chamado por mim. Só então
reconheci que era um Gerente da Cooperativa Elétrica lá do sítio, pessoa minha
conhecida, pois frequentava o mesmo café que eu, que me interrogou:
— Precisamos de mais um empregado lá na Cooperativa. Estás
interessado no lugar?
— Depende… Quanto é que me pagam?
— Com certeza pagamos-te mais do que aquilo que estás a
ganhar! Passa amanhã de tarde lá na Cooperativa, que é quando eu lá estou, e
falamos sobre isso.
— OK.
No dia seguinte falei com o meu patrão, pedi dispensa da
parte da tarde, dizendo-lhe onde ia, e para que efeito.
— Trata da tua vida. Eles podem pagar-te melhor do que eu, e
se assim for não olhes para trás. Avisa-me com tempo para eu arranjar um
substituto.
Assim fiz e, depois da entrevista, o lugar foi-me oferecido
(como o tempo passa! Agora é necessário andar a pedir trabalho e, se se
encontra, é preciso uma boa “cunha”, se não nada feito).
Começou assim o Toino uma nova especialidade. A Cooperativa
que distribuía eletricidade aos seus sócios iria alterar a distribuição, sendo
o consumo pago por escalões, de modo a que quem mais gastava, mais pagaria.
Para tal havia uma série de parâmetros a considerar, entre os quais o número de
divisões que tinha cada habitação. Logo houve que visitar todas as habitações
que tinham eletricidade, a fim de ser registado o número de divisões de cada
habitação. Trabalho moroso executado pelo Toino e um outro colega. Levou o seu
tempo, já que naquela data havia na Gafanha da Nazaré, cerca de mil residências
com instalação elétrica.
A vida agora corria melhor. Ganhava-se pouco (é sempre
pouco) mas o esforço era agora mais mental do que físico. Mesmo assim, era uma
vida agradável, os gastos — como sempre — de acordo com os ganhos, deixando
sempre uma pequena reserva, para o que desse e viesse…
Um dia o Toino, que passeava na festa da freguesia com um
amigo, notou num grupo de “moças” que quando passavam por nós se metiam
connosco com ar de gozo, e reparou numa, que lhe despertou a atenção, por ser
jovem e bonita. Meteu conversa e o namoro começou nesse dia. Ela tinha menos
uns três anos do que o Toino mas pareciam talhados um para o outro. Tanto assim
que uns tempos depois resolveram casar, logo após o Toino terminar o serviço militar
e passar à “peluda” (reserva).
Passado este tempo, foi então resolvida a data do casamento
— Julho de 1960. Começou a tratar-se da boda que, na altura, era feita na casa
de um dos noivos por ser mais económica e onde todos os membros das duas famílias
ajudam. Tudo preparado para meados do mês…
Mas, entretanto, chega a casa do Toino uma notificação da
tropa, para se apresentar no R.I.10 em Aveiro, para seguir para Santa
Margarida, onde iria tomar parte nas “manobras” militares… O serviço militar
começava a atrapalhar a minha vida. Assim, teve de ser atrasada a data do
casamento, e lá vai o Toino para Santa Margarida, novamente pegar em armas.
E lá foram passados quinze dias, dormindo e vegetando dentro
de tendas de campanha grandes, redondas. Estávamos no mês de Julho e o calor
dentro das tendas era abrasador durante o dia. Felizmente que durante o dia
havia exercícios militares — ordem unida, crosses e outros exercícios — que nos
mantinham fora das tendas. Durante a noite, quando o cansaço não era muito, e a
temperatura baixava, eu e um dos meus colegas de tenda (éramos oito) alguns dos
quais tinham a mania do desporto, especialmente da luta greco-romana,
entretinham-se a praticar esse desporto, que, praticado de acordo com as
regras, não provocava mazelas corporais de monta. Os outros entretinham-se como
assistência…
O meu adversário preferido era o colega Simões Dias, que
tinha um físico proporcional ao meu. Lutava-se um bocado e depois terminava-se
a luta sem que houvesse vencido ou vencedor!
E assim se passava o tempo na tropa. Pura perda de tempo.
Não sei para que nos serviriam aqueles exercícios, a nós que não éramos
profissionais da tropa e na classe dos vinte anos, o que nos obrigavam a fazer
era feito todos os dias na vida civil, com exceção daquilo a que chamavam
“ordem unida” — mas esta era só para vista e, portanto dispensável, em minha
opinião!
Mas quem manda pode, e quem sou eu para, especialmente na
tropa ter opinião?! É cumprir e bico calado, caso contrário lá vem o castigo -
um reforço, um serviço de plantão às sanitas (só para rebaixar a moral do
visado) ou o corte de um fim de semana — eram os mais vulgares. Maldita tropa,
pois basta um distintivo em cima do ombro (galões ou até umas simples divisas)
e fazem o que lhes dá na real gana. Se quiseres queixar-te do agressor a um
superior, terás de pedir autorização a este - coisa que normalmente não era
concedida! Coisa da tropa, como disse!
E o tempo de manobras ia passando. Manobras com pessoal de
infantaria, que eram mais económicas.
Houve também um exercício com carros de combate. Para mim
eram um terror. Avançar ao lado de um “Paton” que pesava quarenta toneladas,
com todo aquele ruído das lagartas, logo ao alvorecer, pensando que se uma
besta daquelas mudava inopinadamente de direção… Era necessário muito cuidado e
olho alerta!
Tanto trabalho, tanta despesa, só por fazermos parte da
NATO, organização que nunca nos ajudou e sempre se serviu das nossas posições
no planeta em seu proveito. Éramos um grande país — do Minho a Timor — mas esquecemos
os ventos da história… Nós, que durante séculos tínhamos feito esses ventos
soprar a nosso favor, esquecemo-nos das riquezas que tínhamos, espalhadas por
vários continentes, pelo mundo. Nós, um país pequeno mas de grandes feitos, que
começou a ser olhado pelas grandes potências europeias, que tinham já sido
expulsas das suas possessões, pelo modo como trataram as populações autóctones
pouco de acordo com os direitos humanos.
Até os grandes Estados Unidos da América, começaram a
olhar-nos de revés. Eles que são donos de um imenso território - porque
exterminaram os nativos até quase acabarem com eles, deixando apenas meia
dúzia, que mantém em reservas, como animais selvagens, para deleite dos outros,
os que se consideram verdadeiramente americanos!
Onde estão os peles-vermelhas e outras raças nativas? Foram
passados pelas armas, uns, e outros morreram por moléstias importadas com os
emigrantes doentes, tal como a peste e outras, a que os autóctones não
resistiram.
E Portugal continuava lá de pedra e cal…
Faz-me isto recordar a primeira intervenção de Churchill no
Parlamento Inglês.
Terminada a sessão, pergunta a um amigo de seu pai, também
ele membro de parlamento, sobre a sua atuação.
— Então, que tal?
— Mau, muito, mau. Foi a resposta.
— Mas…
— Para a primeira vez que falaste no Parlamento foste
brilhante.
— …
— Foste de tal maneira brilhante, que os teus pares e
adversários políticos nunca te perdoarão. Por isso o teu brilhantismo foi muito
mau para o teu futuro político…
Portugal foi brilhante com a descoberta de novos mundos.
Depois ficou orgulhosamente só.
Havia uma solução escrita por um dos mais brilhantes
militares que lutaram no Ultramar em “Portugal e o Futuro”. Mas os brilhantes
“Capitães de Abril” não o admitiram. Os Oficiais Milicianos estavam a ser
promovidos e a passar-lhes à frente. E Isso os Capitães de Abril, não podiam
admitir. E fizeram o 25 de Abril…
Ângelo Ribau Teixeira, junho de 2012
NOTAS: A numeração dos 15 conteúdos não tem qualquer significado. A publicação estava dependente do meu tempo disponível.