quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Uma visita ao Lar Nossa Senhora da Nazaré

Ermelinda Garcez e Adelaide Calado 
são exemplo para todos nós

Ermelinda, Adelaide e Fernando Martins
Ermelinda Garcez e Adelaide Calado participaram e animaram a Eucaristia na sexta-feira, 25 de setembro, dia em que visitámos o Lar. Vimos como cantavam, como liam os textos sagrados e como distribuíam água aos participantes idosos ou doentes depois da comunhão, «porque alguns têm dificuldade em engolir a hóstia consagrada», disseram-nos. Depois encaminharam os utentes para as salas de convívio e respondiam às suas questões ou desejos, com palavras ternas para todos.
A celebração foi presidida pelo Padre João Sarrico, atual capelão do Lar Nossa Senhora da Nazaré e vigário paroquial das Gafanhas da Nazaré, Encarnação e Carmo. Depois da missa, foi distribuir a comunhão aos acamados e no final confidenciou-nos que gosta do trabalho que aceitou fazer, tal como gosta de estar e falar com as pessoas. «Toda a vida fui pároco», disse. E acrescentou que, com esta missão, «acaba por dar o seu próprio testemunho», reconhecendo que há utentes mais novos do que ele, embora doentes ou incapacitados.


As nossas voluntárias com utentes
A nosso pedido, Ermelinda Garcez e Adelaide Calado explicaram o porquê das suas disponibilidades para servir os que mais precisam, apesar das suas idades, 76 e 81 anos, respetivamente, mas com vida que denuncia, sem margem para dúvidas, um espírito vivíssimo que nos impressionou.
A Ermelinda, logo a abrir a conversa, garantiu-nos: «Se Deus não me desse esta genica que tenho, eu não era nada; dou alguma coisa porque tenho Deus no meu coração.»
Por sua vez, a Adelaide adiantou: «Eu pedi uma vez ao Espírito Santo que iluminasse a minha vida e me desse muita força para eu ajudar os outros, os que mais precisassem.»
A disponibilidade destas voluntárias, já com cerca de três anos de serviço no Lar Nossa Senhora da Nazaré, não as cansa nem incomoda, e até recordaram um pouco das suas vidas cheias de trabalhos, sofrimentos e canseiras.
A Ermelinda disse-nos que aos nove anos já estava ao balcão da loja de seu pai, na Cale da Vila. Andou na escola, mas ficou pela terceira classe e não continuou «porque não a deixaram». «Naquele tempo era assim», afiançou-nos. Esteve na loja até se casar, trabalhando desde as sete horas da manhã até às sete e meia da noite, «ouvindo bebedeiras e palavrões».
A Adelaide também só fez a terceira classe. E recordou a vida difícil que a família teve de enfrentar. Vieram do Monte, Murtosa, para a Gafanha da Nazaré «para arranjarem trabalho na seca». E acrescentou: «Éramos muito pobrezinhos e a minha mãe nem tinha lanche para nos dar», mas de imediato frisou que a maior riqueza que a sua mãe deu aos três filhos «foi a educação e o aprender a ler».
A Ermelinda, decerto para esclarecer a razão deste seu gosto pelo voluntariado, evocou que a «sogra morreu em sua casa, cancerosa», e que seu sogro «morreu sem as duas perninhas». E frisou: «Era eu que tratava deles.» Por isso, ficou «sempre com uma… coisa pelos velhinhos». E a Adelaide contou a sua situação: «Desde que meu marido morreu, fiquei muito isolada; falei com o Padre Pedro e ele aconselhou-me a vir colaborar no Lar; sinto-me muito feliz e procuro ser organizada naquilo que faço».
Ambas rezam o terço com os idosos e participam nas mais diversas atividades, incluindo festas, tanto na instituição como no Centro Comunitário ou nas visitas que o Lar promove com vários destinos, como Fátima.
Animam os utentes, cantam o fado e outras canções que até trautearam, riem e procuram divertir quem está mais triste ou desanimado. Mas não se julgue que as nossas entrevistadas não têm os seus achaques. Têm, sim senhor, mas nem por isso desistem de fazer o que fazem. Até Deus querer, dizemos nós, com desejos de que o façam por muitos e bons anos, dando um grande exemplo aos mais novos. E no fim da conversa, que nos enriqueceu pela espontaneidade e autenticidade dos seus testemunhos, deixaram-nos a ideia de que a vida, sem objetivos, sem coragem e sem força de vontade, não faz sentido.

O  trabalho do Lar
tem de ser  mais conhecido na comunidade

Márcio com utentes do Lar
«O voluntariado é uma forma de aproximarmos a instituição da comunidade» porque é «muito importante que o nosso trabalho seja mais conhecido na paróquia e freguesia», garantiu-nos Márcio Soares, responsável pela animação cultural dos utentes do Lar Nossa Senhora da Nazaré, do Centro Social Paroquial, durante a visita que o Timoneiro fez àquela valência de apoio aos idosos.
Márcio Soares considerou o voluntariado como uma mais-valia para as pessoas se «manterem ativas, úteis e interventivas na sociedade», valorizando, por isso, a sua própria autoestima.
Na certeza de que não é voluntário quem quer, mas quem pode e tem vocação e sensibilidade para isso, aquele responsável informou que os candidatos são orientados pelos técnicos, que lhes dão a conhecer a «realidade concreta da instituição», tomando ainda conhecimento do «processo do envelhecimento e das caraterísticas dos utentes». Depois, sublinhou Márcio Soares, «é na prática que os voluntários se vão adaptando e aprendendo a lidar com cada um dos internados».
Para ser voluntário, importa, fundamentalmente, «o querer mesmo, ter disponibilidade de tempo e de espírito» e gostar de lidar com quem sofre e está dependente da ajuda de alguém para levar uma vida digna, por mais terminal que seja a situação de cada utente.
De um banco de voluntariado, organizado pelo Lar, há pessoas de diversas idades inscritas e prontas para cooperar, tão assiduamente quanto possível. Há compromissos assumidos, mas também há os que estão disponíveis apenas quando são solicitados para ações eventuais. Os mais jovens colaboram sobretudo nas férias e em períodos festivos, especialmente na área da animação e de cuidados estéticos, como serviços de cabeleireiro e tratamento de unhas.

Fernando Martins

Nota: Entrevista publicada no Timoneiro em outubro de 2015

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