D. Manuel de Almeida Trindade foi um Bispo querido do povo de Aveiro. Outros também o foram e são, é certo, mas a sua memória, de homem bom e delicado, capaz de se relacionar com todos, está bem presente nos diocesanos mais velhos.
Mons. João Gonçalves evocou-o ontem na Sé, na missa celebrativa da entrada de D. António Francisco na Diocese de Aveiro, como Bispo Residencial.
O texto que Mons. João Gaspar escreveu e leu aqui o deixo para memória futura aos meus leitores e amigos. Sublinha Mons. que com ele privou de perto, as últimas vontades de D. Manuel:
«Como uma das últimas disposições, D. Manuel pediu que o seu cadáver fosse trasladado de Coimbra para Aveiro. Tendo falecido em 05 de agosto de 2008, efetivamente o cadáver, após dois dias, foi trazido para Aveiro, sendo depositado no jazigo da diocese, no cemitério central.
Na sua entrada em Aveiro, D. Manuel já havia dito publicamente que vinha para ficar; quando pediu a resignação, numa conversa que manteve comigo, afirmou-me que finalmente resolvera ir para Coimbra, mas queria regressar depois da morte, para permanecer entre os aveirenses e ser acarinhado por eles.»
Mons. João Gonçalves evocou-o ontem na Sé, na missa celebrativa da entrada de D. António Francisco na Diocese de Aveiro, como Bispo Residencial.
O texto que Mons. João Gaspar escreveu e leu aqui o deixo para memória futura aos meus leitores e amigos. Sublinha Mons. que com ele privou de perto, as últimas vontades de D. Manuel:
«Como uma das últimas disposições, D. Manuel pediu que o seu cadáver fosse trasladado de Coimbra para Aveiro. Tendo falecido em 05 de agosto de 2008, efetivamente o cadáver, após dois dias, foi trazido para Aveiro, sendo depositado no jazigo da diocese, no cemitério central.
Na sua entrada em Aveiro, D. Manuel já havia dito publicamente que vinha para ficar; quando pediu a resignação, numa conversa que manteve comigo, afirmou-me que finalmente resolvera ir para Coimbra, mas queria regressar depois da morte, para permanecer entre os aveirenses e ser acarinhado por eles.»
D. MANUEL DE ALMEIDA TRINDADE
Por Mons. João Gonçalves Gaspar,
Nas ‘bodas de ouro’ episcopais
Catedral de Aveiro, 08-12-2012
Na tarde de 16 de setembro de 1962, os meios de comunicação radiofónica publicaram a notícia há muito esperada: o papa João XXIII nomeara para ocupar a cadeira da catedral de Aveiro D. Manuel de Almeida Trindade, «sacerdote de verdadeira e sólida piedade e de invulgar talento e experiência». O novo bispo de Aveiro iniciou oficialmente o múnus pastoral perante o corpo de consultores em 08 de dezembro de 1962; perfazem-se hoje precisamente cinquenta anos. Porque estava ausente em Roma nos trabalhos do segundo concílio ecuménico do Vaticano, em 15 de novembro anterior havia mandatado como seu procurador para o efeito mons. Júlio Tavares Rebimbas. Recebeu a ordem episcopal em 16 seguinte na sé de Coimbra e entrou na diocese na tarde do dia 23.
Na igreja catedral, antes do canto do ‘te-deum’, D. Manuel proferiu a sua primeira Saudação Pastoral, na qual logo demonstrou um rico testemunho de serenidade, prudência e sabedoria, manifestando o espírito de alguém que não se deixava iludir por triunfalismos fugazes. Dela se extrai o seguinte: - «A cruz que me pende dos ombros é de oiro, mas não deixará de ser cruz. Mesmo que a amizade e a lealdade dos seus mais próximos colaboradores lhe não faltem, mesmo que a compreensão daqueles que são os detentores do poder o ajude na sua missão, ainda que a estima e a disciplina do povo cristão facilitem a sua atividade pastoral, sempre os cuidados e os trabalhos de um bispo hão de constituir uma cruz. Oxalá eu saiba doirar o ferro dos pesos quotidianos com o oiro fino do autêntico amor de Deus e dos homens! Esse será verdadeiramente o oiro da minha cruz peitoral».
Acumulando com o ministério de bispo de Aveiro, D. Manuel também foi, durante cerca de dezassete anos, presidente e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, manifestando sempre um espírito invulgar de sabedoria, de prudência, de ponderação, de coragem, de decisão e de pacificação.
Como sabemos, no dia 25 de abril de 1974, deu-se a ‘revolução dos cravos’. Contudo, a exaltação inicial, na alegria das liberdades alcançadas, foi esmorecendo entre o povo, porque no horizonte nacional começara a levantar-se a ameaça de nuvens negras a pressagiar um período cruel de desrespeito pelas liberdades conseguidas. Neste contexto, os ânimos andavam preocupados. Por isso, o povo e as pessoas mais responsáveis, incluindo os bispos, sentiam que não podiam ficar de braços cruzados, tolhidos pelo medo; propalava-se mesmo a hipótese de se expressar a sua angústia e a sua revolta em manifestações apartidárias, numa discordância com tamanhas injustiças.
De facto, em ambiente tão apreensivo, no ‘verão quente’ de 1975, D. Manuel concordou com a hipótese, que lhe foi proposta, de se realizar uma manifestação popular e apolítica de cristãos pela defesa da verdadeira democracia e pela legítima salvaguarda dos direitos humanos; cuidadosamente organizada, tal manifestação aconteceu na tarde do dia 13 de julho, na qual tomaram parte cerca de cinquenta mil pessoas. Na concentração final junto da sé, no termo de três breves intervenções, D. Manuel, que se integrara no cortejo, proferiu algumas palavras com voz corajosa e convicta: - «Existem cristãos em todas as dioceses de Portugal. Oxalá que o exemplo de Aveiro os desperte, do Minho ao Algarve... e se apresentem em massa a apoiar os seus bispos. Que os cristãos, se porventura estão adormecidos, acordem finalmente. Acordem! Acordem!» O que aconteceu em Aveiro teve uma repercussão nacional e entusiasmou a idênticas manifestações que se realizariam nos domingos seguintes em Viseu, Bragança, Coimbra, Lamego, Braga, Leiria e Vila Real. E a história saberá contar o resultado de tudo isto…
Quando chegou à diocese de Aveiro, D. Manuel deixou logo transparecer a sua maneira de ser e de estar. As semanas do inverno eram passadas nas paróquias em visitas pastorais, num esquema de missões regionais; já implementadas pelo seu antecessor D. Domingos da Apresentação Fernandes em 1959, elas significaram um facto inédito na altura. Além das celebrações litúrgicas, o prelado visitava os doentes e os pobres; entrava nas choupanas, nas escolas e nas fábricas; reunia com as associações religiosas e cívicas; ia aonde as pessoas se encontravam, trabalhavam e viviam. Recordo não apenas a elevação com que falava a professores universitários ou a pessoas de ciência, como ainda a simplicidade com que se dirigia a crianças e a homens do campo. Naquele trabalho missionário, teve a colaboração de sacerdotes, mas também quis ter a dos leigos, para falarem em serões e encontros – casais a casais, jovens a jovens, catequistas a catequistas, empresários a empresários, operários a operários. Com conhecimento próprio, relembro-o efetivamente como um homem e um bispo que nunca quis ser distante das pessoas, mas sempre próximo, atento e carinhoso.
D. Manuel requereu a resignação de bispo de Aveiro ainda antes dos setenta anos de idade, porque se sentia cansado, não tanto com o trabalho pastoral na diocese, mas sobretudo por causa da responsabilidade que tivera na presidência da Conferência Episcopal Portuguesa, nomeadamente no tempo após o 25-de-abril. Todavia, sofreu muito com a saída de Aveiro; afastou-se com tristeza, saudade e lágrimas. Pondo de parte as primeiras ideias que lhe surgiram de habitar na casa diocesana de Nossa Senhora do Socorro, em Albergaria-a-Velha, ou numa residência paroquial com um dos nossos párocos, resolveu por fim afastar-se, recolhendo-se no seminário de Coimbra; contudo, manter-se-ia sentimentalmente ligado a Aveiro. Quando voltava casualmente a esta cidade, era uma alegria mútua, quando se encontrava; andava a pé pelas ruas e avenidas, visitava famílias amigas e parava a conversar com as pessoas.
Como uma das últimas disposições, D. Manuel pediu que o seu cadáver fosse trasladado de Coimbra para Aveiro. Tendo falecido em 05 de agosto de 2008, efetivamente o cadáver, após dois dias, foi trazido para Aveiro, sendo depositado no jazigo da diocese, no cemitério central. Na sua entrada em Aveiro, D. Manuel já havia dito publicamente que vinha para ficar; quando pediu a resignação, numa conversa que manteve comigo, afirmou-me que finalmente resolvera ir para Coimbra, mas queria regressar depois da morte, para permanecer entre os aveirenses e ser acarinhado por eles.
Uma das suas derradeiras fotografias rememora-o como bispo a ler, a pensar e a refletir sobre a Bíblia, que segura nas mãos. É precisamente assim que o evoco com um misto de ternura e de gratidão… como um homem de inteligência, de bondade, de leitura, de oração e de fé; como um bispo que contemplava e meditava a palavra de Deus para a transmitir pela vida, pela voz e pelo testemunho. D. Manuel de Almeida Trindade foi um brilhante facho de luz, que teima em iluminar as nossas gentes, da ria à Bairrada, do litoral marítimo às faldas do Arestal e do Caramulo.
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